O site foi desenvolvido para dialogar plenamente com o seu público-alvo. Com linguagem e design arrojados, a página aborda temas como trabalho e moradia de maneira acessível e em constante atualização.
Nós no Mundo reúne informações e auxilia a transição de adolescentes para a vida adulta.
“Eu tenho muito medo de sair do abrigo.” Foi com essa fala honesta que um dos jovens participantes do lançamento da plataforma Nós no Mundo começou uma roda de conversa sobre trabalho. Assim como ele, outros adolescentes de abrigos em São Paulo expunham seus temores e expectativas com relação ao derradeiro momento em que, completados 18 anos, eles têm de deixar as casas de acolhimento e se aventurar no mundo adulto.
Para quem passou toda uma vida ou grande parte dela em abrigos e casas de acolhimento – de acordo com o Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento, são 37 mil crianças e adolescentes no Brasil nesta situação – os primeiros passos fora da redoma são assustadores. Lançar-se na vida como alguém independente, capaz de gerir contas e sustentar a casa, é a quebra de um escudo que pode levar a temores e ansiedades, somadas ao período já turbulento da adolescência.
Justamente pensando nessa delicada situação de expectativas que o grupo nÓs, programa do Instituto Fazendo História, concentra seu trabalho. Fundado em 2011, a iniciativa atende adolescentes que estão prestes a sair de abrigos, auxiliando-os e fortalecendo seus conhecimentos em quatro eixos fundamentais: moradia, trabalho, uso consciente de dinheiro e apropriação da cidade.
O programa também é voltado a educadores e integrantes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Por lá, acontecem atendimentos personalizados e atividades em grupo. E a recém-criada página Nós no Mundo marca a troca virtual entre interessados pela temática. Não é preciso cadastro: basta acessá-la para conferir todo o conteúdo.
O estudante de administração Fernando Ribeiro, hoje com 21 anos, sentiu na pele as angústias e preocupações que orbitam a mente do jovem quando teve de sair do abrigo. Questões como conseguir moradia, escolher uma trajetória profissional que o sustente, mas que também o satisfaça, e conquistar plenamente sua autonomia faziam parte de sua realidade e de outros adolescentes em situação de abrigo. Com 16 anos, ele entrou no grupo nÓs, sobre o qual ele tem dificuldade de definir, tantos foram os papeis desempenhados em sua vida. “O projeto, sinceramente, é uma mãe, um apoio e um amigo.”
Ao longo de anos de atuação, o grupo nÓs notou a influência gigantesca que as ferramentas digitais causavam nos jovens com quem trabalhavam. Isabela Mendes de Lemos, psicóloga e técnica que atua no grupo, explica: “Percebemos que eles usavam muito o celular e a internet, e a facilidade que eles tinham de acesso. Apostamos então em uma ferramenta digital: a plataforma Nós no Mundo”.
Com foco na cidadania digital, o site foi desenvolvido para dialogar plenamente com o seu público-alvo. Com linguagem e design arrojados, a página aborda temas que já pertencem a agenda do grupo nÓs, como trabalho, cidadania, identidade, cultura e moradia, mas de maneira acessível e em constante atualização.
“Já é uma passagem difícil, a dos jovens para o mundo adulto, e fica ainda mais complexa se ele vive em acolhimento. Queríamos trazer um canal de informações para eles, que tinham como única referência o abrigo e dificuldade em se envolver com outros lugares e assuntos. O canal vai ajudá-los a pensar como se relacionarem com a cidade, como se sustentarem e ganharem mais autonomia”, ressalta Isabela.
Durante o lançamento da plataforma em São Paulo, que aconteceu na Fábrica de Cultura do Belenzinho, no dia 28 de fevereiro, os participantes puderam navegar pelo site, além de participar de oficinas e atividades que aprofundavam os temas e sanavam algumas dúvidas e questões.
Ao fim da roda de conversa, aquele jovem que inicialmente compartilhou seu receio em sair do abrigo, parecia muito mais tranquilo. Ainda que o medo persista, ferramentas como a plataforma Nós no Mundo abrem possibilidades muito além das redomas do abrigo, para que esses jovens possam começar sua vida adulta de maneira mais plena e segura.
Experiência em Portugal
O investigador João Gaspar atuou por mais de 15 anos com crianças e adolescentes em situação de abrigo em Portugal. Ao longo desse período, sensibilizou-se com a sensação de perda e abandono que os acomete quando devem deixar seus lares de acolhimento. Ele percebeu que a maioria dos abrigos não oferecia vínculos afetivos, e nem preparava os jovens para os desafios do cotidiano.
Para ajudar a construir o futuro além dos muros de seus lares provisórios, ele criou a PAJE – Plataforma de Apoio a Jovens Ex-Acolhidos. A proposta oferece apoio aos jovens nas mais diversas situações cotidianas e burocráticas, também oferecendo um importante apoio psicológico para enfrentamento de situações adversas. A plataforma tem maior incidência em Coimbra, onde existe um grande número de jovens nessa situação.