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Retrospectiva 2022: para Ernesto Faria, há um longo caminho a se percorrer para que os dados impactem a formulação de políticas educacionais

#Educação#EnsinoMédio

Professores conversam em um ambiente tranquilo, com livros ao fundo, apontando para um caderno.

Pesquisas, levantamentos e índices de educação devem ser a base para a construção de políticas públicas. No entanto, não basta que esses dados educacionais sejam extensamente divulgados: é preciso integrá-los ao cotidiano dos profissionais de ensino, para que eles sirvam como um norte para transformar a educação no Brasil.

Essa é a opinião de Ernesto Martins Faria, diretor-fundador do Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional). Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, o pesquisador refletiu sobre como os dados produzidos acerca da educação brasileira têm impactado a construção de políticas públicas.

 

Fluência em dados educacionais: ler, interpretar, qualificar e cruzar

Em uma publicação de 2017, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) defendeu que a fluência em dados é uma das competências fundamentais para inovar no setor público.

No Brasil, existem fontes importantes de coleta e visualização de dados de educação, como o Censo Escolar, o QEdu e o Inep Data. Contudo, o trabalho com essas informações deve levar em conta que elas não são a realidade em si, mas trazem aspectos dela. Portanto, para que efetivamente constituam uma mensagem útil aos gestores públicos de educação, os dados devem ser lidos, interpretados, qualificados e cruzados.

Em setembro, o Inep divulgou três índices relacionados à educação no Brasil: o Censo Escolar, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Este último, por exemplo, mostrou que estudantes brasileiros de Ensino Fundamental e Médio tiveram um desempenho em português e matemática inferior ao de 2019.

Em relação à área de tecnologia educacional, pesquisas realizadas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) mostram que a oferta de algum tipo de ensino remoto, em conjunto com o ensino presencial, esteve presente em 90% das escolas brasileiras. Os levantamentos evidenciam ainda que 93% das crianças e adolescentes do Brasil, com idades entre 9 e 17 anos, possuem acesso à internet. Contudo, deixa claro também que a qualidade desse acesso varia muito entre as classes sociais de maior e menor renda.

Afinal, como essas evidências impactam diretamente na construção de políticas públicas de educação? Confira a seguir a entrevista com Ernesto Faria.

 

Fundação Telefônica Vivo: De quais maneiras as pesquisas, levantamentos e índices de educação divulgados em 2022 têm sido utilizadas para a construção de políticas públicas no Brasil?

Ernesto Faria: Não acredito que há no Brasil uma cultura de políticas educacionais construídas a partir de evidências. Aconteceu que, com o boom de avaliações – entre elas o Saeb, a Prova Brasil e o Ideb – veio um crescimento do olhar para dados e indicadores. Criamos a consciência de que olhar para pesquisas e dados é importante, mas isso ainda é muito diferente de garantir, de fato, a construção de políticas educacionais a partir de evidências.

Temos muito a avançar em relação à gestão que se baseia em pesquisas e dados. Acredito que já existe certo consenso sobre alguns pontos, até mesmo influenciado pela participação de fundações e acadêmicos no debate público, mas há um caminho bem grande ainda a ser percorrido para falar que o Brasil faz políticas educacionais a partir de evidências. Muitas redes levam em consideração algumas evidências da literatura educacional, mas são dados que podem funcionar de forma diferente no país, e a gente precisaria de mais medições e de maior entendimento para tornar esses avanços concretos.

 

FTV: Há uma década, o cenário da pesquisa educacional no Brasil muitas vezes tinha dificuldades de extrapolar o ambiente acadêmico e universitário e ser de fato debatido por gestores e políticos. Como avalia a transformação deste cenário nos últimos anos?

Ernesto: Um avanço interessante é o de que mais pesquisas chegaram aos gestores e educadores.  Hoje, muitos conhecem os principais debates sobre educação e acredito que isso tem a ver com o trabalho de fundações em traduzir materiais estrangeiros para o português. Esse é um avanço. Porém, ainda há muito a se avançar em relação à cultura de monitoramento. Temos um monitoramento dos resultados de aprendizagem, mas precisamos nos habituar a trabalhar com mais indicadores para apoiar a tomada de decisão.

Acredito que há uma dificuldade técnica de trabalhar com dados na ponta, e até mesmo de olhar para os dados de uma maneira mais genuína, não buscando utilizar essas informações para direcionar as interpretações. Isso é algo que infelizmente ainda acontece: ao invés de construir política a partir de evidência, eu busco uma evidência para provar o que eu acredito.

FTV: Um dos pilares do Iede é a atuação para que indicadores e avaliações orientem as tomadas de decisões do poder público referentes à políticas educacionais. Por que isso é importante? Como o senhor avalia as decisões realizadas em 2022 diante deste princípio?

Ernesto: Temos que trabalhar com indicadores que gerem incentivos positivos para as redes. O Ideb trouxe um incentivo importante em relação ao aumento da taxa de aprovação, que de certa forma ajudou a combater uma cultura de repetência que existe no Brasil. Essa cultura ainda existe, porém vemos que os índices de aprovação melhoraram consideravelmente pós-Ideb.

É fundamental ter esse olhar de que os indicadores ajudam a trazer as mudanças que queremos para a educação. Precisamos de indicadores que favoreçam essas transformações. O Ideb já trouxe uma contribuição, mas ele precisa ser renovado, e a gente precisa de indicadores de permanência, de equidade… Se olhamos para a discussão do Fundeb, não temos uma estrutura de dados que favoreça uma boa mensuração de equidade. As informações de cor e raça tem muitas ‘não respostas’, em parte porque as redes e escolas não orientam bem o seu preenchimento. Sobre o nível socioeconômico do aluno também não há informação e registro – isso é medido só nos questionários do Saeb, e também tem muita taxa de ‘não resposta’.

Precisamos criar uma estrutura para viabilizar dados e indicadores e olhar mais a fundo para alguns índices, com o foco da equidade, para que possamos discutir com mais propriedade as desigualdades educacionais existentes no Brasil.

 

FTV: Pode me dar exemplos de políticas públicas de educação que foram construídas baseadas em dados e resultados de pesquisas?

Ernesto: Temos alguns marcos de pesquisa que revolucionaram a discussão educacional, como o Relatório Coleman, feito em 1966 a pedido do governo estadunidense. O documento apontou a grande influência do nível socioeconômico nos resultados educacionais. Foi um marco para se discutir mais as desigualdades e o efeito extra escolar nos resultados.

Várias pesquisas já trouxeram a importância de observação de sala de aula, e isso passou a ser uma cultura em várias redes e escolas. A pesquisa de James Heckman, vencedor do Prêmio Nobel, sobre a importância da educação infantil influenciou muito um olhar mais profundo sobre o tema – e impactou também na expansão de sua obrigatoriedade.

Temos pesquisas que foram marcantes e temos a tomada de decisão no dia a dia. Os alunos têm certas dificuldades de aprendizagem, e a produção de dados sobre isso orienta o reforço escolar e a formação continuada que professores vão receber. Ou seja, a cultura de dados pode impactar muito. O potencial que dados e pesquisas têm para ajudar a educação é muito grande, e acho que a gente tem aproveitado pouco.

 

FTV: Com a divulgação de diversos dados e índices educacionais, existe a necessidade de formar gestores para lerem esses resultados de maneira crítica? Quais os desafios das redes públicas de ensino neste processo de leitura dos dados?

Ernesto: Há muitos desafios. Temos que pensar em como ajudar de forma efetiva os municípios pequenos – é importante pensar em regimes de colaboração, modelos de arranjos, porque ainda falta um quantitativo relevante de pessoas na educação que tenham uma base matemática e um engajamento para trabalhar com dados dentro das redes de ensino. Então, ainda vemos uma dificuldade de trabalhar com indicadores, mexer em planilhas e em softwares estatísticos em nível mais avançado.

E até mesmo essa cultura de organizar e sistematizar bem os dados, com as escolas coletando as informações e repassando para a secretaria,  é um processo que a gente precisa ir desenvolvendo nas redes, com bons programas de formação, sendo puxados pela liderança da secretaria e das escolas. É um processo longo, e é importante que o governo federal e os governos estaduais promovam formações e deem as diretrizes nesse sentido.

Como os dados educacionais estão sendo usados para apoiar a construção de políticas públicas?
Como os dados educacionais estão sendo usados para apoiar a construção de políticas públicas?