Foto: Tiago Queiroz/Jeduca
O 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), mais uma vez se consolidou como espaço de reflexão, troca de experiências e debate qualificado sobre os rumos da educação e da cobertura jornalística no país. Realizado nos dias 26 e 27 de setembro em São Paulo, o evento conta com o apoio da Fundação Telefônica Vivo desde sua primeira edição, em 2017.
Com a presença de especialistas nacionais e internacionais, jornalistas, educadores, gestores públicos, pesquisadores e estudantes, o congresso abordou temas como os desafios no ensino da matemática, o combate à desinformação, a educação midiática e o uso de redes sociais e inteligência artificial nas escolas. Também foram destacados projetos protagonizados por jornalistas locais e periféricos, ampliando o olhar sobre a diversidade de vozes na cobertura educacional.
A programação, composta por painéis e oficinas práticas, abriu espaço para discussões sensíveis sobre inclusão, diversidade e os desafios enfrentados por populações historicamente excluídas, como estudantes LGBTQIA+. Os debates reforçaram a urgência de políticas educacionais inclusivas e da formação continuada de professores para lidar com essas questões.
Um novo olhar sobre a matemática
O primeiro grande momento do evento foi a aguardada palestra de Jo Boaler, professora de Educação Matemática da Universidade de Stanford, autora do bestseller “Mentalidades Matemáticas” e fundadora do Youcubed, plataforma educativa gratuita e referência internacional em inovação no ensino da disciplina.

Boaler instigou o público ao propor uma virada de perspectiva sobre a matemática, defendendo uma abordagem baseada em pensamento visual, múltiplos caminhos para a resolução de problemas e trabalho colaborativo. “Uma das maiores mudanças é mostrar que uma única resposta pode ser atingida de vários jeitos. Quando criamos espaço para discussão dos métodos, os alunos experimentam, debatem, testam hipóteses”, explicou.
Ela também apresentou evidências dos impactos dessa metodologia. “Num estudo com adolescentes de contexto vulnerável nos EUA, que participaram de um curso on-line conosco, vimos uma melhora de 50% no desempenho em testes — o equivalente a 2,8 anos de avanço escolar. É disso que estamos falando, de transformar não só notas, mas a relação afetiva e intelectual com a disciplina”.
Baixo desempenho em matemática não é empecilho para a inovação
O Brasil é um dos países onde o baixo desempenho em matemática gera impactos econômicos, sociais e de cidadania profundos. Esse foi o ponto de partida do painel “Os impactos no Brasil do baixo desempenho em matemática”, com a participação de Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e Conselheira de Educação de São Paulo, Antônio de Souza Silva, professor de uma escola de Bacabal (MA), e Ingrid Silva Carvalho, multimedalhista em olimpíadas científicas.

“Infelizmente, a matemática pode ser um fator de exclusão. Pesquisas mostram que uma pessoa com conhecimento em matemática pode ganhar de 30% a 40% a mais. E somente 5% dos estudantes concluem o ensino médio com bom desempenho [na disciplina]. Se isso não é exclusão, não sei o que é”, afirmou Smole.
O professor Antônio compartilhou os resultados de um projeto de robótica com materiais reciclados, voltado para alunos do 6º ano com histórico de baixo desempenho. “As crianças tinham medo da matemática, mas unimos a paixão pela robótica e a prática do dia a dia. O mais gratificante foi ver como o desempenho subiu e o interesse disparou, tanto que chegamos à Mostra Nacional de Robótica. A matemática, quando conecta com o mundo real, deixa de ser obstáculo”, pontuou.
Ingrid Silva Carvalho reforçou a importância do raciocínio lógico e da valorização dos fundamentos: “É importante aprender coisas como a fórmula de Bhaskara pelo raciocínio lógico. As pessoas querem tudo imediatamente, mas algumas coisas estão por trás. Para criarem as tecnologias, precisaram da fórmula de Bhaskara. Eu acho fundamental que isso seja ensinado nas escolas e mostrar as aplicações”, enfatizou.
Tecnologia, redes sociais e os desafios do ensino digital
A presença crescente da inteligência artificial, das redes sociais e dos recursos digitais foi tema central do painel “Tecnologia da Educação: Riscos e Oportunidades em Tempos de Redes Sociais e IA”. Os participantes trouxeram reflexões sobre os desafios e oportunidades da era digital nas escolas.

“Não podemos cair no falso dilema de demonizar a tecnologia ou ignorar os riscos. Precisamos debater o letramento digital, o uso seguro, a promoção de competências críticas”, alertou o médico hebiatra Felipe Fortes.
Giselle Santos, consultora de inovação e educação, destacou a importância de considerar os contextos locais: “Precisamos olhar para as pessoas e os contextos, como a tecnologia e a informação chegam para a criança da periferia, das áreas ribeirinhas. É preciso trazer muito para o nosso lado, para as escolas públicas”.
Patrícia Blanco, presidente executiva do Instituto Palavra Aberta, defendeu uma abordagem educativa para o ambiente digital: “Preparar, prevenir e punir. A gente precisa olhar o ambiente midiático dessa forma. Educar é proteger, preparar para o uso consciente da tecnologia. Prevenir é cuidar. E punir quando a tecnologia é usada para abusar. O jornalismo tem papel pedagógico fundamental ao auxiliar e educar a sociedade para uso [da tecnologia]”.
Mediação, engajamento e celulares na escola
Num cenário de desinformação crescente, o painel “Influenciadores na luta pela educação midiática” reuniu criadores de conteúdo educacional com grande alcance nas redes, como professor Noslen, com 5,4 milhões de seguidores no YouTube, e Rafaela Lima, criadora do canal Mais Ciências, com cerca de 270 mil inscritos.

Noslen compartilhou sua estratégia para cativar a audiência. “Percebi que precisava conectar o conteúdo da gramática com o que estava acontecendo no mundo dos jovens. O meme, a novela, a música. Tudo cabe quando o objetivo é fazer o estudante sentir que essa escola também é dele”, explicou.
Rafaela Lima destacou a importância de ajustar a linguagem ao público. “Falando com jovens, sou mais informal. Já com professores, trago mais dados e contexto. Mas faço questão de precisão. Inclusive já precisei corrigir erro em vídeo, porque prezo pela credibilidade. Errar faz parte, mas a responsabilidade é grande, já que influenciamos comportamentos, ideias e até atitudes”.
Sobre a lei que restringe o uso de celulares nas escolas, ambos apoiaram a medida, desde que o uso pedagógico seja garantido. “Defendo o uso flexível, didático, mediado pelo professor e que abra oportunidades”, afirmou Noslen. Rafaela complementou, dizendo que “a lei deve proteger, não proibir absolutamente, o importante é o uso crítico”.
Diversidade e inclusão no centro da educação
A pauta da diversidade e inclusão teve destaque no 9º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação. Dados alarmantes sobre a exclusão escolar da população LGBTQIA+ no Brasil evidenciaram vulnerabilidades históricas que ainda persistem.

Os debatedores destacaram a necessidade de políticas de acolhimento, respeito ao nome social, enfrentamento ao bullying e formação continuada para professores preparados para a diversidade.
Com discussões baseadas em evidências, falas inspiradoras e atenção às realidades locais, o congresso mostrou — por meio de casos reais, fatos e trocas de experiências — que inovar, democratizar, incluir e engajar são verbos indissociáveis tanto para as salas de aula quanto para as redações. Educar no século XXI é um compromisso coletivo, ousado e crítico.
Educação, clima e COP30
A mesa “COP30: o que a educação tem a ver com o encontro climático?” trouxe ao congresso uma abordagem inédita sobre o papel das escolas e dos comunicadores diante do maior evento climático mundial, que será realizado em Belém (PA), em novembro.
Maria do Carmo Barcellos, Márcio Gonçalves, Tayana Narcisa e a mediadora Luciene Kaxinawá. Foto: Tiago Queiroz/Jeduca
Com mediação da jornalista indígena Luciene Kaxinawá, do povo Huni Kuin (Rondônia), o debate ressaltou a urgência de formar uma geração crítica e preparada para os desafios ambientais. Luciene, que também atua na Abrinjor (Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas), abriu a mesa afirmando que a educação é fundamental para abordar a crise climática.
Taynara Narcisa, da CNN, destacou o papel central das escolas nesse contexto. “A escola é o primeiro espaço de educação ambiental para muitas crianças. É onde elas começam a entender o mundo e perceber o impacto das mudanças climáticas no dia a dia”.
Márcio Gonçalves apresentou o Projeto MídiaCOP, iniciativa pedagógica que capacita professores e estudantes da Amazônia a produzir e disseminar conteúdos sobre mudanças climáticas, transformando-os em verdadeiros “correspondentes” da COP30. “Capacitamos esses jovens não apenas para serem informados, mas para produzirem notícias e ocuparem espaço no debate público. É assim que se forma cidadania crítica”.
Com experiência em educação ambiental em comunidades indígenas, a pesquisadora indigenista, Maria do Carmo Barcellos, enfatizou a importância de integrar saberes tradicionais à educação formal.
“Produzimos livros junto com professores indígenas, unindo ciências e cosmovisão ancestral, para fortalecer a identidade das crianças em seus territórios. Os jovens indígenas vão ser as lideranças de amanhã e precisam conhecer o mundo sem perder o vínculo com suas origens”.