A tecnologia deixou de ser exclusiva das áreas exatas e passou a impactar também as Ciências Humanas. Em História, Literatura, Geografia, Filosofia e Artes, o avanço digital tem aberto novas possibilidades de ensino e pesquisa — da preservação de arquivos históricos on-line à análise de padrões linguísticos, correção e aprimoramento de redações. Na Educação Básica, esse cenário traz um desafio e uma oportunidade: integrar novas linguagens e ferramentas tecnológicas aos currículos de maneira crítica, colaborativa e interdisciplinar.
Segundo Tarliz Liao, professor e doutor em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e especialista em Formação Docente e Tecnologia, “a ferramenta está associada à informação; já a linguagem tecnológica está ligada ao conhecimento, que leva ao pensamento crítico”. Ou seja, o uso da tecnologia nas Ciências Humanas vai além da consulta de dados, e envolve a construção de saberes capazes de promover reflexão e cidadania.
A cientista social Marcela Canto, especializada em Humanidades Digitais e pesquisadora do Observatório de Educação Digital do Legal Fronts Institute, reforça que a formação digital de um estudante deve vir acompanhada por outros letramentos fundamentais. “O ponto de virada é a formação cidadã, ética e crítica para lidar com a tecnologia no cotidiano”, afirma.
Essa visão dialoga com a 5ª Competência Geral de Cultura Digital na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orienta que os estudantes “compreendam, utilizem e criem tecnologias digitais de forma crítica, significativa, reflexiva e ética”. Na Educação Básica, essa abordagem torna o ensino mais significativo e conectado à vida real. Em História, os alunos podem usar mapas digitais para estudar migrações. Em Geografia, comparar transformações ambientais com imagens de satélite. Já em Artes e Língua Portuguesa, produzir podcasts. Assim, a tecnologia se transforma em ferramenta de humanização, estimulando empatia, pensamento crítico e alfabetização midiática — valores centrais para o século XXI.
BNCC e transversalidade digital
A BNCC estabelece que o uso das tecnologias digitais deve atravessar todo o processo educativo. Mais do que informatizar as escolas, o documento defende o letramento digital como base para uma formação integral, em que aprender a usar tecnologias é também aprender a compreender e transformar o mundo. O Plano Nacional de Educação (PNE) reforça essa perspectiva, destacando a tecnologia como agente transformador capaz de reduzir desigualdades e promover qualidade e equidade educacional.
Tanto a BNCC quanto o PNE consideram o uso crítico e criativo da tecnologia uma competência essencial, comparável à leitura e à escrita. Ela deve estar presente em todas as etapas da Educação Básica, incentivando a criatividade, o protagonismo e o pensamento computacional — a capacidade de analisar e solucionar problemas por meio da lógica e do raciocínio crítico.
Assim, a aplicação direcionada da tecnologia nas ciências humanas e sociais revela grandes potencialidades. Quando associada à reflexão, à ética e à inclusão, ela se torna um caminho para formar cidadãos conscientes, criativos e preparados para atuar com responsabilidade no mundo digital e na sociedade contemporânea.
Inclusão digital transforma a aprendizagem nas Ciências Humanas
Três experiências em escolas públicas do Recife (PE), onde a rede municipal de Educação é parceira da Fundação Telefônica Vivo, ilustram como o uso responsável e pedagógico das tecnologias digitais pode enriquecer o ensino das Ciências Humanas.
• Diário Digital:
Na Escola Municipal Professora Sônia Maria de Araújo Souza, onde a professora Edjane Maria dos Santos desenvolveu o projeto “Diário Digital: Expressando Sentimentos e Convivência”, com turmas do terceiro ano do Ensino Fundamental I. A proposta uniu leitura, escrita e cidadania digital, e estimulou a consciência sobre segurança e ética on-line: usando plataformas como Árvore de Livros, Google Docs e Kahoot, as crianças escreveram no formato de diário sobre os livros lidos e suas experiências cotidianas.
“Eles podem escrever um texto e aprender com seus próprios erros, desde começar com letra inicial maiúscula até outras habilidades. Isso desperta nas crianças a autonomia e o interesse pelo conhecimento”, diz Edjane.
• Fábulas:
Na Escola Municipal Dom Hélder Câmara, a professora Andreza Maria Mello de Oliveira Caneca aplicou a prática “Fábulas” com alunos da Educação Infantil, introduzindo as crianças ao gênero literário por meio de livros físicos e digitais, vídeos no YouTube, recursos de realidade aumentada e jogos interativos. Os estudantes escolheram suas histórias preferidas, criaram gráficos no Canva e registraram suas produções multimídia no Padlet. A proposta aproximou a literatura do universo digital, com foco em criatividade, expressão artística e uso seguro das mídias.
• Uma Viagem pelas Regiões do Brasil:
Na Escola Municipal São Domingos, a professora Jeane dos Santos Brasilino Souza promoveu a atividade “Uma Viagem pelas Regiões do Brasil”, articulando Geografia, História, Sociologia e Matemática. Munidos de Chromebooks, os alunos pesquisaram aspectos culturais e econômicos de cada região, criaram apresentações no Canva e compartilharam jogos no Wordwall. Os trabalhos finais ampliaram a noção de interdisciplinaridade e reforçaram a compreensão do Brasil como um território diverso e interconectado.
Os três casos demonstram que, quando bem orientada, a tecnologia potencializa a aprendizagem humanística ao tornar os alunos produtores de conhecimento, e não apenas consumidores de conteúdo. Experiências desenvolvidas por Edjane, Andreza e Jeane ilustram como as ferramentas digitais podem ser incorporadas de forma pedagógica, ética e responsável para desenvolver competências cognitivas, criativas e sociais.

