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18.09.2014
Tempo de leitura: 7 minutos

A importância da cultura na educação infantil

Além da identificação cultural e do pertencimento a uma cultura específica, as brincadeiras são de grande importância na educação infantil. Saiba mais!

Um olhar social para a educação infantil

Sabe as brincadeiras regionais, como cordel, maracatu, folguedos, folias e outras? Você já parou pra refletir sobre o quão importantes são as tradições culturais na vida de uma criança?
Além da identificação cultural e do pertencimento a uma cultura específica, as brincadeiras e arte de cada população são importantes ferramentas que podem auxiliar educadores a trabalhar as competências do currículo escolar e estimular o respeito às diferenças por meio do conhecimento.
Entrevistamos a educadora Gabriela Guarnieri Tebet, professora da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas) e responsável pela disciplina Pedagogia da Educação Infantil, do “Estágio Supervisionado em Educação Infantil” e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Estudos sobre a criança, a infância e a educação infantil: políticas e práticas da diferença para saber mais sobre o tema, acompanhe!
Fundação Telefônica Vivo: Quão importantes são as tradições culturais na vida de uma criança?
Prof. Gabriela Guarnieri: Podemos dizer que as tradições culturais impactam na vida das crianças de diversos modos, contribuindo sobretudo, para o processo de socialização.
As tradições culturais da comunidade contribuem para que as crianças se apropriem da cultura do seu grupo social, e dessa forma se percebam parte de um coletivo, constituindo sua identidade no interior daquele grupo.
Um importante estudioso do assunto que nos ajuda a compreender esse processo é o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, que no início de sua carreira, se dedicou ao estudo do folclore e apontou que os padrões de comportamento e elementos culturais são o que caracterizam o indivíduo como pertencendo a certa comunidade.  De acordo com a autor, esses padrões de comportamento e elementos culturais (valores sociais e culturais) se manifestam nas cantigas, contos e brincadeiras infantis que exercem um papel educativo de iniciação às tradições culturais, uma vez que carregam consigo elementos culturais e modos de ser padronizados pelo grupo social.
Todavia a criança não é apenas um ser receptor de informações, ela se apropria das informações culturais do seu grupo e as significa a seu modo, produzindo o que denominamos como culturas infantis.
Fundação Telefônica Vivo: É possível dizer que participar de brincadeiras e folguedos faz com que a criança se sinta pertencente a uma cultura?
Prof. Gabriela Guarnieri: Certamente as brincadeiras e os folguedos são um dos principais modos por meio dos quais as crianças definem a sua identidade cultural. Podemos pensar, por exemplo, o que as crianças aprendem sobre as relações sociais e sobre suas culturas ao brincarem de casinha, de mamãe e filhinho, de escolinha, médico, de “capitão do mato”, “mamãe polenta”, “polícia e ladrão”, etc.
Podemos pensar também nas diferentes relações sociais que as crianças estabelecem entre si e com o mundo ao redor e o quanto da cultura de seu povo está presente em brincadeiras como cama de gato, bolinha de gude, queimada, passa anel ou ainda quando jogam por exemplo, mancala, que é um jogo de tabuleiro africano que consiste em uma série de jogadas em que cada jogador deve semear e colher sementes, ou quando brincam com peteca de mangá, tobdaé, que são brincadeiras indígenas  ou ainda quando nas festas juninas, vão à barraca da pesca, participam de corridas de saco ou tentam subir no pau de sebo.
Cada uma dessas brincadeiras traz consigo elementos culturais que estão relacionados à origem de cada uma dessas brincadeiras e sem dúvida, por meio dessas brincadeiras, as crianças vão construindo seu pertencimento cultural.
Fundação Telefônica Vivo: Há alguma brincadeira tradicional que podemos ver de Norte a Sul do país? Em que elas ajudam a formação das crianças?
Prof. Gabriela Guarnieri: Sabemos que há algumas brincadeiras que são mais comuns entre as crianças do que outras. Se pensarmos que vivemos um período de intensa globalização, hoje, mais que em outros períodos, é possível que algumas brincadeiras de fato sejam encontradas em todas as regiões do Brasil (e mesmo, em países diversos ao redor do mundo), ainda que em determinados contextos se mantenham brincadeiras mais regionais ligadas a elementos específicos de cada cultura.
De modo geral, penso que brincadeiras que envolvem jogos de dramatização, por exemplo (tais como mamãe e filhinho ou polícia e ladrão e todas as variações que essas brincadeiras possam ter) são importantes para que as crianças experimentem situações cotidianas de sua sociedade, experimentando papéis que de outra forma não poderia assumir e por meio da brincadeira, as crianças expressam suas hipóteses sobre as regras da sociedade em que vivem, algumas vezes apenas reproduzindo as relações que observam, mas outras vezes, também criam novos padrões de relacionamento, tal como indica, por exemplo o sociólogo da infância, William Corsaro em seu texto sobre ‘A reprodução interpretativa no brincar ao “faz-de-conta” das crianças.’
Fundação Telefônica Vivo: O aprendizado da cultura popular pode ajudar as crianças no currículo escolar?
Prof. Gabriela Guarnieri: Sim. Acredito que a aprendizagem escolar se torna muito mais efetiva quando o currículo é pensado de modo a valorizar a cultura popular local. Quando a escola é capaz de fazer os conteúdos de cada disciplina dialogar com elementos da vida das pessoas.
Isso não significa restringir os conteúdos escolares, mas significa, sim, fazer com as crianças percebam a riqueza presente nas diversas formas de manifestação cultural de seu povo ou grupo social, percebam o uso social dos conhecimentos escolares e possam fazer uso desses conhecimentos em seu cotidiano.
Fundação Telefônica Vivo: Literatura de cordel, Bumba meu boi e xilogravura: como esse tipo de manifestação cultural atua na vida das crianças? Gera autonomia? Gera empatia com o meio? Gera mais cuidado com a natureza? Gera mais identificação com os pais?
Prof. Gabriela Guarnieri: A resposta a essa pergunta depende de que criança estamos falando. A literatura de cordel, as brincadeiras de bumba meu boi e a xilogravura são elementos culturais de uma região específica do Brasil e vão gerar identificação das crianças com os seus pais, se estes forem provenientes de regiões que possuem tais manifestações culturais.
Nem sempre essas atividades culturais geram empatia das crianças com o meio e podem inclusive afastá-las se forem propostas de forma descontextualizada. Todavia, são elementos da cultura brasileira que deveriam ser ao menos apresentados às crianças.
Umas vão se identificar mais, outras menos, para algumas crianças, essas manifestações culturais causarão um impacto, e para outras crianças, o impacto pode ser outro, mas ainda assim é importante que as escolas assumam para si o papel de divulgador cultural e que possibilitem às crianças conhecer e viver elementos das culturas tradicionais do norte e nordeste brasileiro, bem com das outras regiões, elementos das culturas indígenas brasileiras, elementos tradicionais dos povos africanos que foram trazidos para o Brasil, etc. Conhecer é fundamental para respeitar e valorizar.
Quer saber mais? Conheça as referências:
CORSARO, W.  A reprodução interpretativa no brincar ao “faz-de-conta” das crianças. In: Revista Educação, Sociedade e Culturas, n. 17, 2002. Revista do Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal. Disponível em: http://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/ESC17/17-5.pdf
FERNANDES, F. Folclore e mudança social na cidade de São Paulo. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
Imagem de Marcello Casal Jr/ABr


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