Há um consenso na comunidade escolar: dominar a linguagem digital tornou-se requisito tão importante quanto a alfabetização tradicional para a educação da atualidade. Em uma sociedade em que a tecnologia permeia a vida cotidiana, os currículos das redes públicas caminham, por determinação normativa, para incluir formalmente a educação digital e midiática.
Recentes determinações do Conselho Nacional de Educação (CNE) tornaram obrigatória a reformulação dos currículos das escolas de todo o país até o final de 2025, com implementação da BNCC Computação prevista para 2026. De acordo com as novas diretrizes, a educação digital e midiática deixará de ser um complemento esporádico e passará a integrar os currículos, podendo ser estruturada pelas redes como componente curricular próprio ou como área transversal, sempre em alinhamento com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Segundo o documento do CNE, todas as redes de ensino do país devem estar habilitadas a ensinar educação digital e midiática para os estudantes, sinalizando uma revolução nos papéis e práticas da docência e exigindo que professores se tornem mediadores cada vez mais conscientes e críticos das tecnologias.
Assim, o desafio de capacitar professores não pode mais ser adiado, e a autoavaliação em competências digitais desponta como o primeiro passo para uma trajetória formativa. Também é uma importante ferramenta estratégica para autoconhecimento docente e planejamento pedagógico, posicionando cada profissional como parte ativa de sua trajetória de desenvolvimento.
Ao lado das políticas públicas e estratégias das redes, a trajetória de desenvolvimento docente se inicia pelo protagonismo. “A autoavaliação oferece ao professor um retrato técnico das próprias competências digitais, o que já está consolidado e o que é preciso desenvolver”, resume Rafaela Rodrigues, coordenadora de projetos de inovação e tecnologia em educação do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB). A organização desenvolveu e aperfeiçoou a Autoavaliação de Competências Digitais de Professores, uma ferramenta online e gratuita de diagnóstico do nível de adoção e uso de tecnologia.
Autoavaliação docente: o que muda na prática pedagógica?
Professores têm hoje acesso a duas ferramentas amplamente reconhecidas para diagnosticar seu nível de maturidade digital: a Autoavaliação de Competências Digitais de Professores, do CIEB, e o Autodiagnóstico de Saberes Digitais Docentes, disponível no AVAMEC (MEC). Ambos os instrumentos são online, gratuitos e seguem lógicas semelhantes de categorização de competências e níveis de proficiência, permitindo que educadores de qualquer rede identifiquem sua situação atual no uso pedagógico das tecnologias.
Ferramentas como essas marcam uma nova etapa na formação docente ao transformar o aperfeiçoamento profissional em um processo consciente, estruturado e personalizado. Hoje, é essencial que o professor tenha clareza sobre seu ponto de partida, reconheça suas fortalezas e lacunas e trace caminhos formativos adaptados ao seu perfil.
“A autoavaliação é fundamental por dois motivos principais. O primeiro é para o próprio professor, que consegue identificar os pontos que ainda precisa desenvolver, abrangendo desde temas como tecnologia e segurança de dados até cidadania digital”, explica Lia Roitburd, Gerente Sênior de Implementação da Fundação Telefônica Vivo. “O segundo motivo é para a gestão. As secretarias de Educação ganham visibilidade sobre o nível de preparo de seus professores”, complementa.
O Autodiagnóstico de Saberes Digitais Docentes, elaborado pelo Ministério da Educação (MEC), é composto por um questionário de 17 perguntas distribuídas em três dimensões: Ensino e Aprendizagem com uso de tecnologias digitais; Cidadania Digital; e Desenvolvimento Profissional. Os resultados indicam o nível de desenvolvimento em cada uma delas, e dez saberes digitais (iniciante, familiarização, adaptação, integração e liderança). Também são fornecidas orientações para o desenvolvimento contínuo dos docentes.
Já a Autoavaliação de Competências Digitais de Professores do CIEB é composto por 24 perguntas sobre dez competências digitais distribuídas em três áreas temáticas: Pedagógica, Cidadania digital e Desenvolvimento profissional. Os resultados classificam o docente em cinco níveis progressivos (exposição, familiarização, adaptação, integração e transformação). As redes também podem acessar relatório agregados, acompanhar a evolução anual das competências e priorizar formações de maior impacto.
“A ferramenta é útil tanto para o desenvolvimento individual quanto para o diagnóstico coletivo. É como um raio-X da rede. A autoavaliação nos permite identificar o nível de proficiência dos professores e suas principais dificuldades. Com base nesses dados, planejamos o foco das formações para o ano seguinte”, conta Cassiana Gomes Menezes, professora e multiplicadora de tecnologia na rede municipal de ensino do Recife (PE), que participa do Programa de Formação em Competências Digitais desenvolvido em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, e acompanha diretamente sete unidades escolares.
Como a autoavaliação impacta na sala de aula
O Programa de Formação em Competências Digitais, da Fundação Telefônica Vivo, utiliza a ferramenta elaborada pelo CIEB como ponto de partida para sugerir trilhas de formação sob medida para os professores das redes com as quais tem parceria — rede estadual do Mato Grosso e municipal do Recife.
Na prática, os efeitos se refletem diretamente em processos pedagógicos observáveis e mensuráveis em sala de aula. “Os alunos adoram. O uso de ferramentas digitais torna as aulas mais diversificadas, dinâmicas e motivadoras”, relata a multiplicadora Cassiana.
“O foco é sempre a aprendizagem com tecnologia, que é essencial para o desenvolvimento dos estudantes hoje, preparando-os para o ensino médio, superior e mundo do trabalho”, enfatiza Lia Roitburd. “A tecnologia não vem para substituir o professor, mas para facilitar processos e permitir que os alunos avancem em sua jornada de aprendizagem”, completa.
IA, dados e inclusão: as novas competências digitais que entram na formação
O processo de atualização das ferramentas e matrizes de competências digitais é contínuo e necessário. Em setembro, o CIEB revisou sua Matriz de Descritores e a Ferramenta de Autoavaliação de Competências Digitais de Professores, que agora está alinhada às novas diretrizes do MEC e incorpora temas como IA responsável, letramento midiático, acessibilidade e proteção de dados.
“A atualização garante que as competências reflitam as práticas atuais e preparem os educadores para o futuro”, comenta Rafaela Rodrigues do CIEB. A nova versão mantém as dez competências essenciais, agora com descritivos mais detalhados para Gestão de Dados, Práticas Inclusivas e integração de novas tecnologias, permitindo comparar resultados ao longo do tempo.
Como as redes de ensino estão usando os diagnósticos para planejar políticas públicas
Para gestores e redes de ensino, a autoavaliação docente se converte em uma ferramenta estratégica para decisões baseadas em evidências. Ao revelar níveis de proficiência digital, os diagnósticos orientam prioridades, direcionam investimentos e influenciam a formulação de políticas públicas mais assertivas.
Segundo a nota técnica do CIEB, “o diagnóstico mapeia a maturidade digital do corpo docente, identifica com exatidão os níveis de apropriação em cada escola, prioriza intervenções formativas, seleciona descritores específicos para formação e embasa decisões”.
Na prática, os resultados começam a orientar a estrutura curricular das redes. “Estamos desenvolvendo um documento com diretrizes baseadas na BNCC Computação. No dia a dia, nós, multiplicadores, já sugerimos atividades alinhadas a essas competências”, explica Cassiana Menezes, que atua na formação de professores.
Esse movimento tem ganhado escala. A Fundação Telefônica Vivo apoia atualmente 19 estados e capitais na análise dos resultados e na definição de planos formativos. O monitoramento anual permite às redes acompanhar a efetividade das ações, ajustar estratégias, garantir transparência e atuar com maior precisão na construção de políticas públicas.
“A base normativa já está posta. O desafio está na formação docente, na curadoria de materiais e no uso pedagógico nas redes”, aponta Rafaela. “Quando esses três eixos avançam juntos, a implementação deixa de ser pontual e se torna sistêmica”.
Assim, a autoavaliação docente consolida-se como ponto de partida para uma formação contínua, consciente e estratégica. Ela fortalece o professor como sujeito ativo de sua jornada e transforma dados em decisões pedagógicas mais inteligentes no âmbito das redes.
Num cenário em que a tecnologia redefine o fazer pedagógico, olhar para si com criticidade é o início de uma caminhada sólida rumo a práticas mais inovadoras, inclusivas e significativas. Evoluir com clareza é mais do que uma escolha: é um compromisso com a aprendizagem dos estudantes e com o futuro da educação.

