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16.11.2021
Tempo de leitura: 8 minutos

Cultura afro-brasileira: como trabalhar em sala de aula?

A Lei nº 10.639 estabelece a inclusão e obrigatoriedade do ensino da História e Cultura afro-brasileira. Mas como abordar o tema nas escolas?

Imagem mostra quatro estudantes negros. Eles estão reunidos e observando o conteúdo de um livro, que está sendo mostrado por um dos garotos. Na imagem há dois garotos e uma garota.

Quando falamos em Filosofia, principalmente no contexto do Ensino Básico, as primeiras referências que vêm à mente são as gregas: Sócrates, Platão e o Mito da Caverna. A origem dos estudos é constantemente creditada à Grécia e seus principais pensadores, e o currículo escolar costuma se limitar à visão eurocêntrica do tema. Nesse contexto, a filosofia e a cultura afro-brasileira não costumam ser levadas em conta.

O que pouco se comenta é que Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo da tradição ocidental, estudou no Egito. E a partir dos conhecimentos adquiridos, desenvolveu parte dos seus pensamentos, reforçando a contribuição africana para o desenvolvimento da Humanidade.

De acordo com reportagem publicada pelo Jornal da Universidade (UFRGS), ao longo dos séculos, a cultura e a filosofia africana, tão ricas quanto as demais, sofreu apagamentos e distorções em detrimento de outras, que eram consideradas superiores ou melhor desenvolvidas. Porém, é possível notar, nos últimos anos, esforços para o resgate e difusão da cultura e conhecimento de origem africana principalmente no ambiente educacional.

Sendo o Brasil o país com a maior população negra fora da África, segundo informações do Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais da Universidade Federal de Juiz de Fora, esse movimento contribui para resgatar essa ancestralidade dos descendentes de povos africanos.

Ancestralidade e pertencimento 

A escola é um espaço de diversidade e de convivência de crianças e jovens de diferentes origens. Para além dos estudos e conquista de conhecimentos, é um local para a formação de cidadãos. Logo, seu papel é crucial na superação de preconceitos e na promoção de uma educação antirracista.

Mas, para que isso ocorra, é necessária uma mudança de comportamento em sala de aula. Lavini Castro, mestre em Relações Étnico Raciais pelo PPRE/CEFET-RJ e idealizadora da Rede de Professores Antirracistas, afirma que não há mais um ideal humano a ser seguido, mas a percepção da diversidade histórico e cultural dos diferentes grupos que compõem a sociedade.

“Estudantes negros e negras se sentem acolhidos, percebem-se contribuidores da história e da sociedade. E isso traz noção de pertencimento e orgulho, principalmente quando evidenciamos histórias de luta e resistência. Estudantes brancos e brancas percebem-se como mais um grupo da sociedade. Isso contribui para o empoderamento dos primeiros e a quebra de um ideal humano para os segundos. Afinal, todos passam a se sentir outros na relação”, detalha.

A inclusão de pautas afirmativas no currículo escolar e a ampliação do debate proporcionam aos alunos reconhecimento de sua identidade, autoaceitação e resgate cultural da sua ancestralidade.

“Esses alunos passam a se perceber, a reconhecer sua negritude como característica estética, histórica e cultural, passando a se aceitar. Principalmente quando trabalhamos evidências positivas e representatividade negativa e quando ensinamos que o problema do racismo é estrutural, institucional e até mesmo cotidiano. Pessoas negras não têm culpa do racismo, mas são as vítimas dessa estrutura”, constata Lavini.

Como abordar a cultura afro-brasileira em sala de aula?

Para uma abordagem contínua dos temas em sala de aula, Lavini afirma que é possível ser feita por meio de atividades cotidianas. Aulas dialógicas, análise de textos jornalísticos e de dados estatísticos que apresentem a temática das relações raciais com ápice no mês de novembro, quando se comemora o Dia da Consciência Negra.

A educadora ainda diz que atividades que levantam discussões ajudam na introdução do assunto e no engajamento dos alunos. O uso de recursos mais visuais (exibição de imagens, filmes e documentários) também é um artefato importante na descolonização do olhar dos estudantes.

Confira exemplos elencados pela educadora, a seguir.

• Contação de histórias africanas: trazer histórias e livros para o cotidiano das crianças.

• Aulas dialógicas: levantar discussões sobre as questões raciais históricas e contemporâneas.
“Apresento imagens de cidades para meus alunos e peço para que olhem os detalhes, os cenários, e digam em qual continente elas ficam. A maioria responde que é na Europa. E quando vem à tona que todas as cidades apresentadas no cartão postal são do continente africano, eles ficam surpresos. E aí eu começo uma discussão sobre o porquê de termos uma visão tão estereotipada e negativa sobre o continente africano”, exemplifica Lavini.

• Análise de gráficos e textos jornalísticos: é possível, por exemplo, analisar temas relativos à situação da população negra (questões sociais, educacionais etc.).

• Análise de discurso: textos que apresentam a temática histórica e cultural africana ou afro-brasileira.
“Uso o material de História Geral da África (HGA) da Unesco procurando inserir o conhecimento histórico e cultural dos povos africanos na discussão em sala de aula. E incentivando os estudantes a enxergarem pelos olhos da cultura da qual aprendemos.”

• Discussão sobre identidade nacional: promover debates que não apresentem os elementos sociais negros e indígenas de forma romântica, exótica e estereotipada. O objetivo é mostrar que a identidade brasileira é plural.

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Ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira: a Lei nº 10.639 na prática 

Desde o início de sua vigência, em 2003, o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira se tornou obrigatório nos currículos dos Ensinos Fundamental e Médio. A lei 10.639 especifica que deve ser priorizado o estudo da história da África e dos africanos. Além da luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.

Porém, o ensino do tema ainda depende de projetos, campanhas  e iniciativas, muitas vezes limitadas ao mês de novembro, devido ao Dia da Consciência Negra.

Por outro lado, a lei aponta um esforço da educação brasileira em valorizar devidamente a história e a cultura afrodescendente e de povos nativos. Buscando, nesse sentido, reparar os danos à sua identidade e aos seus direitos. A inclusão desses estudos amplia o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira.

“Acredito que todos nós, brasileiros, devemos aprender sobre nossa história com a questão racial, da Educação Básica até a formação universitária. Os professores devem questionar currículos eurocêntricos, criticar livros didáticos que não abordem a diversidade histórica e cultural de nossa sociedade. Devem evidenciar os silêncios e a marginalização, porque pensar a educação antirracista é pensar projetos mais amplos de sociedade”, conclui.

Publicação Escola para Todos: promovendo uma educação antirracista

A publicação propõe uma jornada prática, guiada por exemplos reais e adaptáveis à realidade de cada educador. O intuito é que toda ação antirracista seja também uma intervenção no mundo e na vida dos estudantes e promova resultados promissores para a sociedade.

Clique aqui e baixe gratuitamente.

Rede de Professores Antirracistas

A professora Lavini promoveu, em 2020, o curso “A Ferramenta do Professor Antirracista – Lei 10639”, em que orientou e compartilhou estratégias para professores promover a educação antirracista em sala de aula.

Mais tarde, ao perceber o sucesso do curso, ela criou a Rede de Professores Antirracistas: um grupo de educadores interessados em implementar a lei que estabelece a obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileira em sala de aula.

Idealizada com Cássia Lopes, responsável pela distribuição de conteúdo, a Rede atua nas instituições de ensino públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro, tendo como foco o estudo sobre os aspectos da Lei 10639, do Estatuto da Igualdade Racial e o desenvolvimento de planos de aulas que as contemplem.

Pela criação da Rede, em maio deste ano, Lavini foi premiada na categoria Educação do prêmio “Sim à Igualdade Racial”, do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR).


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