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02.12.2016
Tempo de leitura: 7 minutos

ECA comentado: ARTIGO 22 / LIVRO 1 – TEMA: Pátrio poder

ECA: ARTIGO 22 /LIVRO 1 – TEMA: PÁTRIO PODER

 

Comentário de Romero de Oliveira Andrade
Ministério Público/Pernambuco

 

 

O dispositivo elenca os deveres dos pais para com os filhos menores, quais sejam: sustento, guarda, educação, e a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais no interesse da criança e do adolescente.

Trata-se de verdadeiro “pátrio dever”, consequência do pátrio poder, posto que a este corresponde aquele, como se fossem faces de uma mesma e valiosa moeda asseguradora de direitos da criança e do adolescente.

Diga-se, ainda, que esse “pátrio dever” tem também sede constitucional, eis que a CF de 1988, no seu art. 227, prescreveu amplos deveres à família, à sociedade e ao Estado, globalizadores dos previstos no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Demais disto, importa referir que a Constituição Federal de 1988, ao considerar a família como base da sociedade, assegurou-lhe especial proteção e assistência (art.226, caput §§3°e 8° ),donde se infere que, incumbindo-lhe, primeira e necessariamente, os amplos deveres prescritos no art. 227 da CF de 1988, o cumprimento destes está indissoluvelmente associado à concomitante proteção e assistência a serem prestadas pelo Estado, mormente à família sem recursos materiais – no Brasil, a grande maioria, diga-se de passagem. A observação impõe- se, vez que os deveres estabelecidos no citado dispositivo constitucional não podem ser entendidos, particularmente no que atina à família de baixa ou nenhuma renda, como penalizadores desta, o que, caso contrário, seria certamente odioso, se assim interpretados.

 

Por fim, releve-se que os deveres dos pais previstos do art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente estão inseridos no contexto dos “direitos fundamentais” da criança e do adolescente, especificamente no âmbito do “direito à convivência familiar e comunitária”, sendo de se concluir que tais deveres são instrumentos de asseguramento daquele.

 

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

 

ARTIGO22/LIVRO 1 – TEMA: PÁTRIO PODER

 

Comentário de Luís Cláudio de Oliveira
Centro de Documentação do Centro de Articulações de Populações Marginalizadas/Rio de Janeiro

 

 

Diz o art. 22 do Estatuto que: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Mas ,afinal,qual é a imagem ou o perfil de família que se desenham aos nossos reflexos no momento desta leitura? Quais são os seus níveis de interação social: local de moradia e comunidade, usufruto dos serviços públicos  renda, lazer e reprodução? Enfim, qual é a “identidade dos pais”, conforme a citação do artigo?

É notório para as análises sociais que o conceito de família, em face das profundas transformações de valores éticos e morais promovidas pelos conflitos operados na estrutura das sociedades modernas, têm sofrido alterações substanciais. Mormente nos países de economias subdesenvolvidas, as famílias das classes de baixa renda, em que pese às especificidades de cada meio cultural, ao desenvolverem mecanismos de ajustes às condições reais de existência, enraízam, ante a ineficácia ou a mais absoluta ausência de políticas públicas, situações de pauperidade crônica.

No Brasil, o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelas nossas elites no período posterior ao fim da II Guerra Mundial, especialmente nos chamados “anos JK”(1955-1960), e subseqüencialmente recrudescido pelos governos militares a partir do golpe de estado de 1964, constitui-se num projeto de tal forma excludente que o produto humano mais sensível ao final dos anos 80, a “década perdida”, era retratado na cifra de 63 milhões de brasileiros vivendo abaixo dos níveis da pobreza. Esta representação é a resultante da absurda concentração de renda verificada até o presente, que contribuiu e contribui expressivamente para o crescimento acentuado de famílias de miseráveis. Segundo o IBGE,mais da metade das crianças e adolescentes vivia, ainda em 1988, em famílias com rendimento não superior a 1/2 salário mínimo, sendo que, destes, 30,6% pertenciam a famílias com rendimento de até 1/4 de salário mínimo. É evidente que essa juventude desconhece os pressupostos do art. 227 da Carta Magna, porquanto é imperiosa a necessidade de partirem para o mercado de trabalho, sobretudo o mercado informal, participando com 20 a 30% no orçamento familiar em jornadas de 5 a 8 horas por dia nas ruas das principais cidades.

Nesse contexto, os pais, quase sempre de pouca ou nenhuma escolaridade, nível profissional irrisório, quando já não estão eles mesmos submergidos no ostracismo social pela debilidade mental, pelo desemprego ou pela delinqüência, são convocados – conforme o Estatuto- a responder pelo “sustento, guarda e educação dos filhos”. Resta, então, perguntarmo-nos: em que condições? E com que amparo? Naturalmente, esta é a questão crucial para uma interpretação comprometida do correto porém incongruente art. 22 do Estatuto.

De um lado, o presente artigo, corroborado pelo artigo seguinte – “A carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda do pátrio poder” -, garante aos pais empobrecidos a tutela dos filhos menores. Isto funda um tipo de proteção indispensável à própria unidade familiar. Mas, de outro ângulo, crescem as exigências de um Estado presente azeitando a engrenagem social com políticas básicas, capaz de prover, dentre outros aspectos, salários dignos e educação compatível com as demandas do mercado de trabalho; um Estado verdadeiramente democrático, onde os governantes, ao invés da prática da omissão reinventada no discurso pomposo eivado de hipocrisia, na corrupção e no autoritarismo expressos nos fartos exemplos das “repúblicas das Alagoas”, no marketing demagógico da força como sinônimo da competência para o enfrentamento de desafios eminentemente políticos, invistam nas ações concreta respaldas na sociedade civil organizada.

Sem esse amparo intransferível do Estado, a família das classes populares não só não pode vencer as tragicidades do cotidiano brasileiro perfiladas na fome, nas doenças perfeitamente evitáveis etc., como dificilmente encontrará defesas contra a esterilização em massa de suas mulheres e o extermínio orquestrado de seus filhos.

É neste sentido que o art. 22 do Estatuto impõe à sociedade a mobilização constante através de suas representações, de forma a conduzir o Estado para desenvolvimento de um projeto de modernidade cujas garantias abrigadas no Estatuto da Criança e do Adolescente sejam, antes de uma imposição jurídica, um exercício comum da sociedade erigido no bom senso e na solidariedade, um resultado de um Estado afinado com as expectativas de cada indivíduo, igualmente compreendido como o sujeito normativo das instituições; e uma possibilidade factível para os pais – hoje, desesperançados- de centenas de milhares de pequenos cidadãos de acompanharem o crescimento sadio de seus filhos, com o orgulho fecundo do dever cumprido.

 

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury

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