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02.12.2016
Tempo de leitura: 6 minutos

ECA comentado: ARTIGO 230 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes

ECA: ARTIGO 230 / LIVRO 2 – TEMA: Dos Crimes

Comentário de Maria Anunciada Barral
Rio de Janeiro

O direito de liberdade faz-se presente em todas as declarações de di­reitos em sentido moderno, desde’ o advento destas no século XVIII, che­gando em alguns Estados à condição de princípio constitucional, como o Brasil.

Com efeito, o art. 5Q, lI, da CF proclama a liberdade matriz (cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, ga ed., São Paulo, Malheiros Editores, 1992,.p. 214) -liberdade de ação – ao rezar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Incluem-se nele todas as formas de expressão de liber­dade – pessoa física, pensamento, expressão coletiva etc. – chamadas pela doutrina francesa de liberdades públicas (cf. Georges Bourdeau, Les Li­bertés Publiques, 2a ed., Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurispru­dence, 1961) e que estão contidas no Estatuto em seu art. 16.
Embora o artigo em tela refira-se apenas à privação do direito de lo­comoção (liberdade de pessoa física), sua configuração trará sempre pre­juízo às demais formas de sua expressão. Se, por outro lado, houver priva­ção de outra forma qualquer de liberdade que não a de pessoa física e es­tando o sujeito passivo sob autoridade, guarda ou vigilância do agente, incidirá este, por seu ato constrangedor, no crime previsto no art. 232 do Estatuto (dependendo do caso, poderá haver enquadramento no art. 146 do CP), cuja penalidade é idêntica, comprovando-se o mesmo grau de res­peito a qualquer manifestação de liberdade no Estatuto.

Quando a apreensão tiver como sujeito passivo criança – pessoa até 12 anos de idade incompletos (art. 211) – urge ressaltar que em hipótese alguma o ato se dará em virtude de flagrância de ato infracional, sob pena de se incorrer no crime de apreensão ilegal, já que aquela está sujeita ape­nas a medidas de proteção (art. 101 do ECA). Poderá haver, sim, condu­ção em virtude de mandado expedido por autoridade judicial competente, e, ainda assim, a criança deverá ser levada imediatamente ao magistrado, pois sua passagem por delegacia de polícia ou internato implicaria o mes­mo ato delituoso.

A abrangência do tipo penal em exame não se restringe apenas à apre­ensão ilegal. O procedimento de uma apreensão legal deve-se revestir das formalidades estatutárias; caso contrário, incide o agente na mesma pena, por força do parágrafo único. Assim, o transporte ou a condução de ado­lescente em compartimento fechado de veículo policial, ou que implique risco à sua integridade física ou mental, ou em condições atentatórias à sua dignidade (art. 178), como o uso de algemas; e, ainda, a falta de iden­tificação dos responsáveis pela apreensão, ou de comunicação à família, à autoridade judiciária ou pessoa indicada pelo adolescente (arts. 106, pará­grafo único, e 107), entre outras medidas, são puníveis da mesma forma.

No que tange à criança, as mesmas formalidades estatutárias, no que couber, devem ser observadas na sua condução à autoridade tutelar ou ju­diciária, sob pena de incidir o agente na previsão do art. 232 do Estatuto. E não seria justo que fosse diferente. Se a lei protege o adolescente em situações atentatórias à sua condição de pessoa em desenvolvimento, pro­teção ainda maior deve ser dada à ·criança. A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24.9.90, reconhece que toda criança (entende-se criança e adolescente) a quem se alegue, acuse ou declare ter infringido as leis penais tem direito de ser tratada de modo a que se pro­mova e estimule seu sentido de dignidade e respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração sua idade, reintegração e desempenho construtivo na sociedade (art. 40, item I).

Em decorrência da íntima relação entre o supracitado dispositivo constitucional (art. 511, lI) e o artigo em estudo, constata-se que tanto o particular quanto a autoridade podem ser sujeitos ativos do crime, que, so­bre incorrer na sanção penal, violaria o princípio constitucional da liber­dade de ação.

Se autoridade cometer o crime de apreensão ilegal ou proceder à apreensão sem observância das formalidades legais, não ocorrerá choque entre a Lei 4.898/65, que regula as responsabilidades civil, administrativa e penal por crime de abuso de autoridade, e o dispositivo em estudo; já que aquela estabelece que “constitui abuso de autoridade qualquer atenta­do a liberdade de locomoção” (art. 3°, “a”) e “ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual sem as formalidades legais ou com abuso de poder” (art. 4°, “a”), e o Estatuto apenas especifica a sanção penal caso tenha sido vitima criança ou adolescente.

Portanto, tratando-se de especificação, o art. 2º, § 2º, da LICC enfatiza que a “lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei interior”.

Conclui-se, assim, que, havendo apreensão ilegal ou inobservância das formalidades estatutárias na apreensão por parte de autoridade, ha que se especificar a sanção penal no que se refere a uma espécie apenas: a detenção de seis meses a dois anos, que passa a ser a penalidade aplicada, sem prejuízo de sua cumulação com as demais espécies de sanção penal estabelecidas na Lei 4.898/65 (salvo a do art. 6°, § 3°, “b”, por ser da mes­ma espécie), a luz de seu art. 6°, § 4°, que autoriza a aplicação cumulativa das sanções penais.

Se assim não fosse, haveria incoerência do legislador, que estabelece­ria sanção mais leve ao crime cometido por autoridade contra criança ou adolescente do que contra adulto, quando a missão do cap. I do tit. VIII do Estatuto e apenar com rigor os condenados por esse crime, já que o bem jurídico protegido e a liberdade da criança ou do adolescente, 0 que ocor­rera, v.g., se a pena for de detenção de dois anos (pena do Estatuto), cumu­lada com a perda do cargo (pena da Lei 4.898/65).

Somos sabedores de que não e pacifico esse entendimento. Contudo, qualquer outra interpretação abandonaria 0 cuidado maior de proteção a criança e ao jovem como pessoas em condição peculiar de desenvolvi­mento.

Este texto faz parte do livro Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, coordenado por Munir Cury


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