Transformar a sala de aula em um espaço mais inclusivo e representativo exige a revisão de práticas, mas passa, antes de tudo, por apoiar quem está à frente do processo de ensino: o professor. É nesse contexto que a plataforma Escolas Conectadas — projeto que faz parte do ProFuturo, programa global de educação digital da Fundação Telefônica Vivo e da Fundação Bancária “la Caixa” — lançou em julho dois cursos gratuitos: “Educação Antirracista Mediada por Tecnologias – Conceito e Fundamentos” e “Tecnologias como Aliadas da Educação Antirracista – Práticas e Perspectivas”. Os novos cursos mostram como a tecnologia pode ser uma aliada na educação antirracista.
“Essas formações surgem para preencher uma lacuna crucial na formação docente”, explica Clarissa Lima, doutora em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e consultora pedagógica responsável pela concepção e estruturação de um dos itinerários formativos. “Os cursos oferecem de bases teóricas a atividades práticas, mostrando como usar IA, gamificação e produção de narrativas digitais para uma educação antirracista.”
Tecnologia como ferramenta de equidade
Segundo dados da pesquisa “Tecnologia e Desigualdades Raciais no Brasil”, realizada em 2024 pelo Insper em parceria com a Fundação Telefônica Vivo, revelam um retrato preocupante: enquanto 57% dos alunos brancos têm acesso regular a tecnologias educacionais, esse número cai para 49% entre estudantes pardos e 50% entre pretos.
As disparidades se tornam ainda mais evidentes quando analisadas regionalmente. No Nordeste, por exemplo, a diferença no índice de exposição à tecnologia entre alunos brancos e pretos da rede pública é de 5 pontos percentuais. Já entre redes pública e privada da mesma região, o abismo chega a 25 pontos.
O estudo também aponta uma relação positiva entre a exposição à tecnologia e o desempenho escolar. Um aumento de 10 pontos no índice de exposição tecnológica no 5º ano do Ensino Fundamental está associado a uma nota 18,5 pontos maior em matemática na prova do Saeb 2023 (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Correlações positivas e estatisticamente significantes também foram encontradas no 9º ano do Ensino Fundamental e no 3º ano do Ensino Médio.
Formação docente ainda é desafio
Apesar da importância do tema, apenas 7,9% das secretarias municipais de Educação do país abordam regularmente (a cada 15 dias) a temática étnico-racial na formação dos professores, gestores, diretores e coordenadores escolares.
Os dados são da pesquisa “Percepções e Desafios dos Anos Finais do Ensino Fundamental” nas redes municipais de ensino, realizada em 2023 pela Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e Itaú Social, que ouviu 3.329 redes municipais, responsáveis por 3,4 milhões de alunos.
Em 32,8% das redes, o tema é tratado apenas uma vez por ano. Em 19,8%, sequer foi abordado em 2022.
História afro-brasileira em sala de aula
Passados 22 anos da promulgação da Lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira, os avanços ainda são limitados. “A lei foi um marco, mas sua implementação esbarra em diversos desafios”, afirma Clarissa Lima.
A especialista destaca que muitos docentes ainda restringem o tema a disciplinas específicas, como história, literatura e geografia. “Nosso objetivo é mostrar como a educação antirracista pode e deve permear todas as áreas do conhecimento.”
Clarissa fala que há conquistas importantes, como a maior visibilidade de autores negros — “Conceição Evaristo, por exemplo, já foi tema do Enem” — mas em disciplinas como matemática e ciências, “a intelectualidade negra ainda é invisibilizada”, diz.
Cursos práticos e acessíveis
Com carga horária de 20 horas cada, os novos cursos da Plataforma Escolas Conectadas são autoinstrucionais e assíncronos, permitindo que os professores avancem no próprio ritmo. “Eles foram pensados especialmente para professores dos anos finais do Fundamental e do Médio, que enfrentam o desafio de trabalhar o tema de forma transversal”, explica a especialista.
A parte prática da formação aborda desde curadoria crítica de conteúdos até o uso de ferramentas digitais para criar experiências imersivas. “Imagine levar os alunos para uma visita virtual a algum país africano, mostrando culturas e civilizações que estão entre as antigas do mundo”, exemplifica.
A gamificação também é uma estratégia potente. “Podemos criar jogos que mostrem a contribuição de matemáticos africanos ou simuladores que ajudem a entender o processo de resistência quilombola”, sugere a educadora.
“O mais importante é que essas ferramentas ajudem a desconstruir a ideia de que a história africana começa com a escravidão. A tecnologia permite mostrar a grandiosidade das civilizações africanas antes da diáspora”, enfatiza Clarissa. “É uma oportunidade para repensar práticas pedagógicas e construir uma educação verdadeiramente inclusiva”, finaliza.