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30.03.2021
Tempo de leitura: 7 minutos

Escuta ativa: uma ferramenta de transformação social

Para além de uma habilidade de comunicação, essa competência também representa uma oportunidade de ressignificar experiências coletivas, altamente necessária em tempos de Covid-19

A imagem mostra duas pessoas sentadas, uma de frente a outra. De costas, usando uma camiseta preta está a empreendedora social Beatriz Diniz e a sua frente, uma mulher de blusa branca e um crachá pendurado no pescoço onde se lê o nome Fernanda, em vermelho. Atrás dela, há um banner com o nome do projeto Cruzando Histórias.

O ato de escutar vai muito além de simplesmente ouvir. Trata-se de um exercício de humildade e humanidade, onde a conexão entre os indivíduos e o coletivo se constrói. Demonstrar interesse genuíno no que alguém tem a dizer, sem julgamentos, está entre os princípios de uma escuta ativa. Mas para além de uma ferramenta de comunicação, essa habilidade socioemocional também representa uma potente possibilidade de transformação.

A empreendedora social Beatriz Diniz, 34, descobriu essa potência na prática. Há quatro anos, a então profissional de Recursos Humanos assistiu a uma reportagem sobre desemprego, que trouxe dados e gráficos sobre a situação do país. Mas foi ao ouvir a história de uma das personagens entrevistadas no Centro de São Paulo — mãe, desempregada, com uma ordem de despejo — que a escuta se transformou em ação.

“Mesmo sem ter experienciado aquela dor, me senti responsável. Tentei encontrá-la de todas as formas possíveis, mas não consegui. Então decidi sair pelas ruas com uma lousa, onde estava escrito: ‘Está sem trabalho?’. Muitas pessoas vieram falar comigo e esses relatos se transformaram em histórias postadas em uma página no Facebook”, explica.

O nome da página, Cruzando Histórias, foi escolhido para representar o objetivo da iniciativa: humanizar os currículos e conectar pessoas que precisam trabalhar às que precisam contratar. Essa ideia inicial evoluiu para um negócio social, estruturado a partir de três pilares: acolhimento, desenvolvimento e conexão à oportunidades. Palestras, oficinas e mentorias são oferecidas gratuitamente a quem procura por recolocação, e vendidas às empresas que buscam melhorar o ambiente de trabalho.

Com a chegada da pandemia, o Cruzando Histórias quebrou barreiras geográficas e passou a fazer atendimentos online.. Até 2019, a equipe contava com 12 voluntários em São Paulo (SP). Hoje, conta com 125 colaboradores, atendendo cerca de 5 mil pessoas no Brasil inteiro. Desse total, 30% conseguem se recolocar no mercado em um prazo de 6 meses.

Não é à toa que os dois carros-chefes da organização são o programa de voluntariado corporativo, voltado às empresas, e a mentoria de carreira EscutAção. A ideia é reforçar uma contratação mais focada nas vivências e experiências dos colaboradores. Toda a equipe do Cruzando Histórias é voluntária e treinada em comunicação não violenta, escuta ativa e empática.

“A escuta ativa tem esse poder transformador para quem está escutando e também para quem está sendo escutado. É sobre se colocar a favor do outro, sentir, entender e acompanhá-lo na solução de problemas. Todas as relações, sejam elas profissionais ou pessoais, ganham quando se estabelece esse princípio de colaboração e empatia”, conclui a empreendedora.

Escutando soluções 

Seja no ambiente corporativo, na educação ou no voluntariado, a escuta ativa potencializa a resolução de problemas, a comunicação e o trabalho em equipe. Todas essas  competências são essenciais para responder aos desafios do século XXI, evidenciados pela pandemia de coronavírus.

“Em meio a um contexto sem precedentes, nossas formas de escutar e acolher são decisivas, desde já, para o que estamos semeando para o futuro de nossa sociedade. Cabe a nós termos ouvido de escutar, corações de sentir e cérebros para fazer todas as reflexões coletivas que nosso tempo tem nos exigido”, afirma Danilo Cesar, historiador, produtor cultural e um dos idealizadores da Rede Apoio Covid.

Logo no início da crise sanitária no Brasil, em março de 2020, Danilo se deparou com pessoas próximas perdendo familiares e entes queridos. Isso fez com que ele se mobilizasse para encontrar profissionais qualificados, de diversas áreas, que pudessem sistematizar informações, orientações e serviços de acolhimento para elaborar o luto coletivo que se apresenta como principal característica da atualidade.

“Este movimento de escuta atenta para as histórias individuais e coletivas precisa ocorrer   em conjunto para fortalecer a sociedade em seu enfrentamento do luto. Pessoas que estão conectadas e amparadas têm mais chances de cocriar narrativas em prol de objetivos para o bem comum, algo imprescindível para que um país enfrente obstáculos de forma empática e justa”, explica a psicóloga Fabiana Casarini, especialista em Storytelling e uma das voluntárias da Rede.

O coletivo funciona como uma coalizão independente da sociedade civil, sem fins lucrativos e sem qualquer direcionamento político-partidário ou ideológico. O objetivo é oferecer possibilidades de ressignificar o luto em decorrência da Covid-19 por meio de oficinas de escrita dirigida para enlutados, rodas de conversa e rodas de afetos, diretamente ligadas à arte e à cultura.

Narrativas com novo significado 

A partir da escuta também se constroem narrativas. Se escutar pode curar, a memória pode transformar as perspectivas de futuro. Pensando em mais uma forma de usar a empatia para ressignificar a experiência coletiva, o Museu da Pessoa (MuPe) se uniu à Rede Apoio Covid para preservar e registrar histórias de vida na pandemia.

“O processo de luto diz respeito à expressão de sentimentos, sentidos, crenças, visões de mundo, sendo suas manifestações, portanto, um direito e o seu estudo essencial para nos aproximarmos de uma das mais importantes dimensões da cultura humana”, reflete Elisiana Castro, especialista em patrimônio cultural funerário e coordenadora das iniciativas memoriais da Rede.

Durante o período de maio a dezembro de 2020, o Programa de Voluntariado da Fundação Telefônica Vivo realizou ações mensais para conectar voluntários formados em Psicologia a pessoas da comunidade atendida pelo CEPAC (Associação para Proteção das Crianças e Adolescentes). O objetivo era oferecer consultas gratuitas via telefone ou WhatsApp, exercendo a escuta ativa e auxiliando no processo de luto.

Localizada em Barueri (SP), a organização acolhe cerca de 432 jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social, por meio do fomento à cultura e qualificação profissional. Ao todo, a ação mobilizou 37 voluntários e alcançou 591 pessoas da comunidade.

Os projetos Memorial das Vítimas do COVID-19 no BrasilTotens Memoriais Pró-Saúde tem como objetivo capacitar voluntários para o registro de histórias dos familiares das vítimas e também de memórias cotidianas sobre a pandemia. Para o museólogo e diretor do MuPe, Lucas Lara, criar produtos culturais a partir destas narrativas é uma forma de gerar reflexões mais profundas e acessíveis sobre a construção da História.

“Para além da importância histórico-cultural, os relatos são valiosos instrumentos de conexão entre as pessoas e possibilitam uma relação empática. Escutar o outro é o primeiro passo para transformar o modo como vemos o mundo. Mas essa escuta demanda esforço, já que é um processo ativo de estar aberto ao outro. Ao exercitarmos essa habilidade, mostramos ao outro que sua história tem valor e merece ser preservada”, conclui.


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