Alinhado aos objetivos educacionais, o aparelho pode ser um importante aliado nos processos de ensino e aprendizagem

Quando os estudantes iniciaram as aulas em 2025, algo estava diferente: os celulares não eram mais livremente permitidos nas escolas. No dia 13 de janeiro, o governo federal editou a Lei 15.100 vetando os aparelhos em todas as escolas no território nacional, públicas e privadas.
A medida foi muito bem recebida por educadores e pais. O Datafolha mostrou que os pais são majoritariamente favoráveis à proibição, com 65% de aprovação. Pesquisas no Brasil e no exterior relacionam o uso indiscriminado de celulares em sala de aula com déficit de atenção, aumento da irritabilidade e ansiedade nos alunos, prejudicando tanto o aprendizado quanto o convívio social.
Mas a proibição de celulares, tablets e smartwatches traz exceções. O uso para fins pedagógicos e didáticos ainda é permitido. A norma ressalta, entretanto, que deve ser sempre supervisionado por professores e alinhado a objetivos educacionais claros. “É importante lembrar que estamos falando de uma educação contemporânea, que deve considerar o uso responsável dos celulares. Eu faço esse adendo, o celular pode ser um grande aliado para esse processo de ensino-aprendizagem, fomentando a autonomia, aumentando criticidade”, disse Débora Garofalo, assessora de políticas públicas inovadoras da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
Celular como ferramenta de aprendizagem
Segundo a especialista, a nova legislação abre uma ótima oportunidade para as redes de ensino, gestores e professores ressignificarem a introdução dos aparelhos em sala de aula. Versáteis, os celulares e suas muitas aplicações podem ser utilizados em uma ampla gama de atividades didáticas e em praticamente todas as disciplinas, promovendo tarefas interativas, colaborativas e conectadas com o mundo real.
“Tem muitos professores que já utilizam para fins pedagógicos. Ele pode ser uma grande ferramenta para os alunos criarem conteúdos, como vídeos sobre determinado assunto que eles estejam estudando, animações e podcasts. Existe uma diversidade muito grande para trabalhar com celular dentro da sala de aula”, reforça Débora.
Há ainda a possibilidade de usá-los como ferramenta para melhorar a acessibilidade de estudantes, como lupa e assistentes de voz para pessoas com deficiência visual. Ou no monitoramento de dispositivos de saúde, como marcapassos ou medidores de índice glicêmico, por exemplo.
Embora seja necessário estabelecer regras para evitar distrações, Débora ressalta que o uso responsável desses dispositivos pode transformar a sala de aula em um ambiente mais inovador e conectado à realidade dos alunos.
Casos práticos e inspiradores de uso pedagógico dos aparelhos celulares
Entrevistamos dois educadores da rede pública de ensino que fizeram do celular um aliado para fins pedagógicos. Os resultados são inspiradores e podem apoiar outros professores em suas escolas. Além do aumento do engajamento, os alunos passaram a enxergar o aparelho como uma ferramenta de criação.
Tecnologias digitais em uma escola rural
Localizada na zona rural de Vitória de Santo Antão, cidade no interior de Pernambuco, a escola municipal Manoel Domingos de Melo fica em uma rua de terra batida a cerca de10 km do centro da cidade.
José Severino da Silva, diretor da escola, parceira do projeto Matemática ProFuturo — uma iniciativa do ProFuturo, ação global da Fundação Telefônica Vivo e Fundação Bancária “la Caixa” —, explica que desde antes da lei entrar em vigor, os quase 150 alunos já respeitavam a regra do uso pedagógico e não usavam celulares nem nos momentos livres.
Sem discussões, de forma espontânea e com regras claras, a comunidade escolar já fazia exatamente o que a nova legislação propõe. “Não foi nada imposto, foi algo natural para a convivência coletiva”, diz Silva, que defende que a conversa deve fazer parte do processo, sempre.
O uso pedagógico, segundo ele, é permitido apenas para o desenvolvimento de projetos em sala de aula, como por exemplo, ações que envolvem a comunidade. “Os estudantes visitam a comunidade, registram com fotos e fazem pequenos vídeos para utilizarem no projeto”, relata o diretor.
O resultado ao incluir a tecnologia nas atividades é que as crianças se sentem muito mais motivadas para fazerem seus trabalhos. E muitas vezes surge até uma “rivalidade saudável” entre eles, pois um grupo quer fazer um vídeo escolar melhor e mais completo que o outro, explica Silva.
Percebendo essa competição, os professores criaram outra forma de motivar: as melhores fotos dos projetos viram cartazes espalhados na escola e na comunidade. “As crianças gostam muito de ver as fotos que eles tiraram em um cartaz”. Os estudantes se empenham para realizarem todas as tarefas com perfeição, finaliza o diretor da escola.
Apoio na matemática e na inclusão
O professor de matemática Laercio Candido, da rede municipal de São Paulo, percebeu logo no início da sua carreira que precisava de algo a mais para prender a atenção das turmas.
A solução que ele propôs foi simples: deixar de lado as mensagens pessoais, os jogos e as redes sociais e usar os aparelhos celulares para aulas de matemática. “Não dá para brigar com as crianças, elas cresceram com o celular, faz parte da vida delas”, conta ele. Em vez de inimigo, o aparelho tornou-se aliado em suas turmas.
Assim, as crianças estudavam porcentagem fazendo cálculos com uma conta de luz nas mãos e o celular na outra. “O conteúdo de matemática é bastante abstrato. Tem que trazer ele para a rotina, para a vivência deles. Então, eles calculavam o valor da multa se ela fosse paga com uma semana ou 10 dias de atraso”.
Candido dispensava até o uso de aplicativos. “Era pelo próprio Google, tem muitos sites bacanas que ensinam porcentagem”. Depois de alguns anos, ele sentiu que precisava de algo a mais para motivar sua carreira. Decidiu aprender libras e dar aulas para crianças surdas. Sua experiência como professor de matemática para alunos surdos foi na Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS) Helen Keller, no bairro da Aclimação, uma unidade de referência no tema.
Mesmo conseguindo se comunicar muito bem na língua de sinais, em algumas situações era mais fácil utilizar os celulares. Como a lousa estava tomada por números e equações, o professor mandava mensagens para alguns alunos com os conceitos e explicações importantes. “É muito mais fácil e rápido”, conta.
Em outras situações, os aparelhos são indispensáveis, pois são ferramentas de acessibilidade, fazem a medição das pessoas com o mundo que as cercam. “Lembro-me de uma determinada aluna que além de ser surda, tinha restrição motora. Nesse caso, era difícil para eu entender os sinais que ela estava usando para falar comigo. Nessa situação, o celular era fundamental para ela e para mim”, finaliza Laercio.
Confira algumas orientações do MEC para uma implementação eficiente da tecnologia na educação
Planejamento estratégico: Educadores devem estabelecer metas pedagógicas claras, escolhendo métodos e recursos digitais que efetivamente apoiem a formação de habilidades e conhecimentos dos alunos.
Tecnologia como ferramenta de apoio: As ferramentas tecnológicas devem servir para potencializar as habilidades previstas no currículo escolar, atuando como instrumento complementar ao ensino. É crucial alinhar seu uso aos conteúdos e objetivos educacionais, evitando que se tornem o foco principal.
Fomento ao pensamento crítico: Incentivar os alunos a questionarem e analisar o papel das tecnologias e das informações digitais em suas vidas, compreendendo seu impacto nas interações sociais, atitudes e visão de mundo. Paralelamente, é vital trabalhar competências como a identificação de fontes confiáveis e o uso ético da rede.
Abordagem adaptada ao contexto: A adoção de recursos tecnológicos deve respeitar a realidade sociocultural e o perfil dos estudantes, assegurando que os recursos digitais se conectem às suas experiências e enriqueçam o processo de ensino-aprendizagem.