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04.04.2024
Tempo de leitura: 9 minutos

Marina França: “Todo mundo é capaz de aprender matemática em altos níveis”

Para a especialista do Instituto Sidarta, a recomposição de aprendizagem em matemática deve passar por ressignificar a disciplina. Confira a entrevista!

A imagem mostra uma criança negra sentada em uma mesa de madeira da escola. Ela está concentrada empilhando blocos coloridos. É possível ver triângulos coloridos empilhados ao lado. A criança veste casaco roxo e está com o cabelo preso em duas partes. Atrás dela, desfocada, é possível ver uma criança loira sentada na mesa de madeira e debruçada em um caderno.

Quando o assunto é recomposição de aprendizagem em matemática, os números no Brasil revelam um desafio persistente: somente 5% dos estudantes de Ensino Médio da rede pública têm aprendizado considerado adequado na disciplina, segundo levantamento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2021. Em 2019, eram 7%.

Os dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) 2022 indicam um diagnóstico parecido: apenas 27% dos estudantes brasileiros atingiram o nível 2 de proficiência em matemática, enquanto a média de países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 69%. Ao mesmo tempo, apenas 1% dos estudantes conseguiram um nível de proficiência de alta performance (níveis 5 e 6), a média da OCDE é de 9%.

Para entender melhor esse cenário e as possíveis soluções para aumentar esses índices de aprendizagem em matemática, a Fundação Telefônica Vivo conversou com Marina França, gerente de inovação educacional do Programa Mentalidades Matemáticas, do Instituto Sidarta. Marina lidera iniciativas que visam transformar o ensino de matemática no país e coordenou a Rede Mentalidades Matemáticas, que reúne professores de todo o Brasil, além de diversos projetos de formação e produção de materiais educacionais.

Nesta entrevista, Marina reflete sobre caminhos para a recomposição de aprendizagem em matemática, a centralidade da gestão escolar, professores e familiares, além de desafios e perspectivas diante das políticas públicas já existentes. Confira a seguir:


Quais são os principais desafios enfrentados pelas escolas ao lidar com a recomposição de aprendizagem em matemática?

Marina França: O tempo de aprender e ensinar é uma das coisas centrais para pensarmos. Muitas vezes, a gente enche os estudantes com uma lista de conteúdos para serem memorizados. Há também muitos professores que reclamam que os estudantes chegaram sem base e que não há tempo para ensinar o que já foi feito, uma vez que precisam seguir o currículo e o planejamento pedagógico. Além disso, quantas escolas dedicam tempo para fazer a recomposição de aprendizagem, com aulas de apoio pedagógico?


Marina França

Precisamos trabalhar uma matemática mais aberta, que considera aquilo que o aluno traz, a troca entre os pares. Com isso, conseguimos dividir o tempo entre avançar para conteúdos novos e dar base para quem ainda precisa desenvolver alguns conhecimentos. É uma forma de deixar o aprendizado mais equitativo em sala de aula: todo mundo participa e tem a oportunidade de aprender.

 

Por que o ensino de matemática, historicamente, apresenta índices tão baixos de aprendizagem, especialmente entre os alunos da rede pública?

Marina França: Uma das primeiras coisas que discutimos é a compreensão que temos da matemática. Temos uma visão muito tecnicista, que se importa mais com o resultado final e com a memorização de conteúdos do que com o processo. Quantas vezes já ouvimos alguém dizer: “a matemática não é pra mim”? Mas a questão não é ter um cérebro especial para Exatas, como muita gente acredita. Todo mundo é capaz de aprender, mesmo pessoas neurodivergentes. Depende da forma como é ensinado.

Como estamos ressignificando o que é matemática? Trabalhamos apoiados em pesquisas e a partir da abordagem do Mentalidades Matemáticas, que considera que matemática não é só precisão. Consideramos várias atitudes que levam à investigação de um problema para achar uma saída para o problema colocado. Ao ressignificar o que entendemos por matemática, percebemos que ela é uma ciência criativa e que podemos elaborar diversos caminhos para achar a solução para os problemas.

 

Essa estratégia pedagógica tem se mostrado eficaz na recomposição de aprendizagem em matemática para estudantes que apresentam defasagem?

Marina França: O que temos visto nos municípios onde temos parceria, por exemplo, junto com a Secretaria de Educação de Vespasiano (MG), é uma transformação em sala de aula, de mudar a mentalidade das crianças. Assim, a comunidade escolar precisa entender que todo mundo é capaz de aprender matemática em altos níveis. Mas precisamos criar condições adequadas para que esse potencial se desenvolva.

Uma das barreiras que encontramos é com estudantes a partir do 3º ano do Fundamental, que duvidam que sejam capazes de aprender e se fecham para a disciplina. O que temos feito nesses casos é mostrar essa matemática mais criativa, cheia de caminhos e possibilidades, e que, sim, eles são capazes.

Em vez de traçar um caminho fechado, perguntamos qual caminho o estudante percorre. Essa é uma maneira de incluir todo mundo na conversa. Então o primeiro resultado que temos visto é a diminuição da ansiedade dos estudantes em relação à matemática para que todos eles possam aprender mais.

 

Como as metodologias ativas e a novas tecnologias podem ajudar a melhorar os processos de ensino e aprendizagem em matemática?

Marina França: Metodologias ativas não são algo super novo, como às vezes acreditamos. É só pensarmos na forma de educar das comunidades indígenas ou no que Paulo Freire já falava: nossos estudantes são sujeitos do processo de construção de conhecimento. Assim, aqui no Mentalidades, o nosso principal recurso dentro da sala de aula é o pensamento do estudante, independente de ele estar lapidado ou não.

A tecnologia também é extremamente importante. Mais do que isso, em um mundo digital, a cidadania também perpassa pelo letramento digital. Porém, temos que tomar cuidado para não achar que um professor com lousa interativa e acesso à internet vai resolver tudo. Precisa de toda uma aldeia para educar as crianças, então precisamos que toda a comunidade escolar esteja envolvida nisso. Se o professor não tiver apoio para usar a tecnologia com intencionalidade pedagógica, ela pode ser tornar só mais um apetrecho em sala de aula.

 

Como professores podem se preparar para trabalhar com a recomposição de aprendizagem em matemática? Existe alguma competência específica que é importante que eles desenvolvam?

Marina França: O que vou reforçar não serve só para o professor de matemática: é preciso ter uma comunidade para trocar experiências. Assim como falamos que a criatividade dos estudantes e as trocas entre eles ajudam a aprimorar o conhecimento matemático que eles têm, com nós, professores, ocorre a mesma coisa. Se a gente troca, conversa sobre os casos dos alunos, vamos aumentando nosso repertório e adquirindo ferramentas para atender às necessidades dos estudantes, que são múltiplas e diversas. Sem a comunidade docente nosso trabalho fica muito difícil.

 

Qual o papel da gestão escolar no planejamento e execução de medidas para a recomposição de aprendizagem em matemática?

Marina França: A gestão é fundamental. É ela quem cria todas as condições necessárias para o trabalho do professor ser eficiente e para a aprendizagem dos estudantes ser cada vez maior. Assim como o professor faz a mediação da aprendizagem dos estudantes, é a gestão escolar que faz a mediação para que a aprendizagem aconteça na escola e para que o professor possa desenvolver seu trabalho bem feito.

 

Você fala sobre a importância da comunidade. Como a participação das famílias pode contribuir com o processo de recomposição de aprendizagem em matemática dos estudantes?

Marina França: A família é fundamental, e cabe a nós, professores, nos aproximarmos delas e entender que elas são diversas, saindo daquela ideia de família tradicional. Não cabe aquela disputa que às vezes acontece de “isso é tarefa da escola e isso é da família”. Educar é uma tarefa de todo mundo e as consequências de deixar de cumprir isso virão para todo mundo também. Então precisamos de diálogo, entender a realidade das famílias, suas necessidades e possibilidades. E temos que sinalizar sobre nosso trabalho em sala de aula para que o trabalho possa ser conjunto quando a criança estiver em casa.

 

Como as políticas públicas olham para essa questão da matemática no Brasil?

Marina França: Ainda temos dificuldades de entender a matemática como algo que vai além de um componente curricular. Assim como o conhecimento matemático, há o desenvolvimento do raciocínio lógico, a forma como interagimos com o nosso meio, como podemos analisar possibilidades e resultados. Ou seja, a matemática é extremamente importante para o exercício da cidadania, assim como a alfabetização.

Vimos lançamentos de programas para alavancar a alfabetização, mas essas políticas públicas têm que ser espelhadas também na matemática. Quais são os recursos financeiros e humanos que estão sendo investidos na matemática? Atualmente, vejo muito pouco sobre isso.

Temos trabalhado bastante no Mentalidades Matemáticas em um movimento pela matemática. Queremos discutir e ressignificar essa ciência, além de refletir sobre políticas públicas que possam contemplar todo mundo. A nossa expectativa é que possamos trazer cada vez mais pessoas para o diálogo.

Equidade racial na matemática: planos de aula gratuitos!

A matemática também é espaço para promover relações positivas e valorizar identidade, história e cultura de todos os povos. Pensando nisso, a Fundação Telefônica Vivo, em parceria com a Mathema, desenvolveu planos de aula que abordam conteúdos para educadores com o tema da equidade racial. O material foi elaborado para gerar identificação de estudantes negros com aulas de Matemática, aumentar o interesse pela disciplina e fortalecer aprendizados de conceitos báscios. Baixe gratuitamente os planos de aula Equidade Racial na Matemática!


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