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02.04.2019
Tempo de leitura: 7 minutos

O astrofísico português que está revolucionando as aulas de ciência na Amazônia

Nélio Sasaki criou um planetário digital para o letramento científico de comunidades periféricas, indígenas e alunos com Síndrome de Down e Comunidade Surda

À leste de Manaus, no meio do maior sistema fluvial do mundo, a Bacia Amazônica, está a Ilha de Parintins. Uma viagem de barco até a capital do Amazonas dura, em média, 27 horas. A microrregião de Parintins, por sua vez, é composta por sete cidades nas quais só é possível chegar pelo rio. A mais próxima está há 45 minutos de lancha. É ali, no isolamento geográfico, que o astrofísico português Nélio Sasaki vive desde 2012.

Professor da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), ele é diretor do Planetário Digital de Manaus e do Planetário Digital de Parintins, além de fundador e líder do NEPA (Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia). Em prol do letramento científico, ele está inovando a educação na região norte do Brasil, ensinando alunos indígenas, de comunidades periféricas e com Síndrome de Down e comunidade surda a ler o céu e seus encantos.

“É preciso ler o mundo e tudo ao nosso redor é ciências. Nós só temos que saber ler”, diz Nélio, que junto com o NEPA desenvolveu, em 2014, o 1º projeto de Planetário Digital da Região Norte do Brasil, composto pelo Planetário Digital de Parintins e pelo Planetário Digital de Manaus.

Para aproximar as pequenas cidades e a ilha de Parintins da tecnologia, são usadas videoconferências. Quando a maré está favorável e não é período de chuvas, o Planetário é desmembrado em oito caixas e viaja pelas cidades para levar conhecimento à escolas e comunidade amazonense.

Em entrevista à Fundação Telefônica Vivo, ele conta sobre seu trabalho e explica a importância do letramento científico como parte de uma educação para a vida. Confira a seguir:

Existem particularidades no céu do Amazonas que favorecem a Astronomia?

Nélio Sasaki: Além de lindo, o céu daqui se diferencia de outras regiões brasileiras devido a baixa poluição luminosa e atmosférica. Parintins, por exemplo, tem ar muito puro e céu limpíssimo. Apesar da alta umidade, a observação noturna é muito generosa. É como se estivéssemos dentro de um planetário a céu aberto.

Dizem que antes de você, Parintins nunca tinha visto um telescópio. É verdade?

Nélio Sasaki: Quando cheguei à ilha, trouxe comigo meu inseparável telescópio, com o qual fazia, todas as noites, longas observações no céu. Muitas pessoas me perguntavam que instrumento era aquele.

Em 2012, ministrei um curso de três dias sobre Astronomia e um docente acabou se interessando tanto que também comprou um telescópio. Eram, a partir daí, dois em toda a ilha para observação noturna. Assim, treinei uma equipe de 15 alunos e organizamos uma série de atividades de observação e atendimento ao público.

Hoje é comum alguém me encontrar nas ruas de Parintins e dizer: ‘Professor, comprei um telescópio! Vou fundar um Clube de Astronomia na minha escola ou comunidade’. Ou encontrarmos telescópios em escolas e clubes amadores de Astronomia espalhados por todo o Amazonas.

O que é o letramento científico por meio da Astronomia? E qual sua importância?

Nélio Sasaki: O letramento científico que usamos segue o ponto de vista de Paulo Freire, que afirmou que “É preciso ler o mundo”. Para o NEPA, todas as ciências estão presentes no cotidiano do estudante, desde o maternal.

O problema é que os estudantes, quando estão na escola, pensam nas disciplinas como compartimentadas. Uma das nossas características é a trinca interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade.

Além disso, o NEPA prioriza a presença da educação inclusiva, há também projetos voltados para as comunidades afro-brasileiras, indígenas e nipo-brasileiras. Para nós, o mundo é o laboratório de ciências, a astronomia é para todos e permite este diálogo das ciências com espaços não-formais de ensino.

A importância do letramento científico é proporcionar uma formação completa ao estudante, contribuindo para o desenvolvimento científico do indivíduo e o capacitando a buscar respostas para situações-problema do cotidiano.

Nélio Sasaki, que atua em prol do letramento científico, posa ao lado de 17 dos 36 bolsistas do NEPA. Eles estão enfileirados, os alunos estão usando uniforme azul e o professor está de camisa vermelha.

E como funciona essa abordagem interdisciplinar, multidisciplinar e transdisciplinar que o NEPA usa?

Nélio Sasaki: Em 2019, comemoramos 50 anos que o homem pisou na Lua, por isso, vou usá-la de exemplo.O NEPA mostra aos estudantes as diversas ferramentas, tecnologias e conhecimentos utilizados para pisarmos na Lua. Temos a contextualização histórica, mas também estudamos a geologia lunar.

Fazemos os cálculos matemáticos das trajetórias descritas pela física dos foguetes e mobilizamos conhecimentos de engenharia espacial e robótica. Temos também que fazer análise química das amostras trazidas da Lua.

Após termos ideia dos aspectos geográficos da Lua, então podemos responder perguntas sobre o estudo da vida em nosso satélite natural, é a biologia em ação! Para fazer essa transcrição para o aluno, usamos inúmeras ferramentas pedagógicas. De forma didática e lúdica, os estudantes ficam imersos em um meio repleto de ciências e tecnologia.

Fale um pouco dos esforços do NEPA em relação à educação inclusiva, por favor.

Nélio Sasaki: A nossa filosofia é colocar a astronomia ao alcance de todos, por isso, nossa bandeira é educação inclusiva. A maior inclusão se dá quanto ao gênero, já que o NEPA encoraja a participação de mulheres na Astronomia e Astronáutica.

Nosso grupo é formado por 45 integrantes, sendo 36 mulheres. Temos também cinco indígenas, além de descendentes japoneses e quilombolas.

Conheça melhor as inovações no ensino de Astronomia do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia (NEPA), em diversas frentes de atuação:

Educação inclusiva

O projeto Astronomia para Alunos com Síndrome de Down apresenta conceitos básicos para os estudantes de um jeito mais interativo, com oficinas que visam tornar o aprendizado concreto e significativo. A Astronomia em Libras utiliza a mesma metodologia interativa, com o cuidado de criar alguns sinais para termos técnicos que não existiam no regionalismo da Língua da comunidade surda local. Além disso, o NEPA tem palestras, cartilhas e atividades lúdicas em Libras.

Astronomia Afro-brasileira

O NEPA recupera e insere em seu conteúdo didático a visão da Astronomia dos diversos povos de origem africana e suas variações, principalmente depois da chegada ao Brasil. “O que defendemos é o direito que nossos alunos quilombolas têm em olhar para o livro e se identificarem com a cultura  a qual a Astronomia é ensinada”, diz Nélio Sasaki.

Astronomia para indígenas

A partir da observação de que muitas línguas indígenas estão se perdendo com o tempo, o NEPA produz uma série de cartilhas e materiais, incluindo palestras e sessões no Planetário Digital, em algumas dessas línguas. Os próprios alunos indígenas que integram o projeto e a comunidade ajudam.

Astronomia e religião

O projeto nasceu para dialogar com as escolas que têm ensino religioso como parte do currículo. “O objetivo é que os alunos tenham uma base para ler o universo sem precisar abrir mão de sua fé”, explica Nélio. Como se deu a conexão de aspectos pertinentes à Astronomia e ao sagrado? Como os povos da antiguidade pensavam o universo?  Há registro de fenômenos astronômicos na Bíblia? São algumas das perguntas que o projeto visa responder.


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