No evento de 25 anos da Fundação Telefônica Vivo, o professor e pesquisador Charles Fadel, especialista no uso da tecnologia na educação, destacou a adoção da IA para ajudar gestores, docentes e estudantes
Um dos maiores especialistas globais no uso da tecnologia na escola, com experiência como professor na Escola Wharton, da Universidade da Pensilvânia, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Universidade de Harvard, Charles Fadel falou sobre o tema “Educação e Inteligência Artificial: transformando o ensino e a aprendizagem” e afirmou que a Inteligência Artificial será apoio fundamental para a escola. Sua palestra abriu o evento em comemoração aos 25 anos da Fundação Telefônica Vivo — Transformação Digital na Educação: Desafios e Tendências.
Crítico do que chama de “hype em torno na IA” — abordagens que supervalorizam suas aplicações e exageram seus riscos — Fadel argumenta que a nova tecnologia pode e deve ser usada como um “exoesqueleto”, uma supraestrutura para apoiar a educação em diversas frentes: desde a montagem dos currículos e planos de aulas, até a correção de tarefas e o uso em salas de aulas por professores e estudantes.
Sobre o receio que alguns educadores possam ter na hora de usar a tecnologia em sala de aula, Fadel foi enfático: “Não tenha medo. Você vai aprender algo importante e decidir o que é necessário usar. Ninguém vai forçá-lo a usar a tecnologia, mas você verá que ela tem vantagens e você precisa estar apto para usá-la”.
Fadel enfatizou, durante sua palestra, que, se o objetivo global é oferecer educação a todas as crianças, há uma escassez de 44 milhões de professores em todo o mundo. Além disso, o mundo atravessa o chamado momento VUCA (acrônimo em inglês para volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade), enfrentando crises como aquecimento global, desigualdade, ondas de refugiados, epidemias globais e guerras. Para ele, os desafios globais atuais também são desafios educacionais e só poderão ser mitigados com currículos atualizados, que façam sentido no mundo de hoje.
O especialista defende que as escolas têm de educar os estudantes para serem a próxima geração de agentes de transformação, capazes de enfrentar os desafios imensos que se impõem. Para alcançar esse objetivo, Fadel acredita que o advento das diferentes formas de IAs pode ser um diferencial, e a principal tarefa das redes de ensino é capacitar os professores para utilizarem essas tecnologias.
“Professores têm o emprego mais difícil do mundo, pois estão pedindo para eles irem além dos seus limites. Precisamos dar mais ferramentas para eles que possam trabalhar”, afirmou Fadel, defendendo a adoção de IA que não só facilite, mas também aprimore o trabalho dos docentes. Para que isso aconteça de forma eficaz, é fundamental que a aplicação da IA seja acompanhada de supervisão humana constante, garantindo um uso responsável e benéfico.
Charles Fadel faz palestra sobre “Educação e Inteligência Artificial: transformando o ensino e a aprendizagem”
Fadel defende que para atualizar os currículos, é preciso a inclusão de mais disciplinas envolvendo tecnologia. Em um levantamento feito em currículos de diferentes países, para o livro “Educação em quatro dimensões”, ele constatou que a educação ainda não se adaptou totalmente à era da informação. Para ele, o principal gargalo está na letra “E” do STEM (acrônimo em inglês para Science, Technology, Engineering e Mathematics).
Nessa pesquisa, ele revelou que, no Ensino Fundamental e Médio de países ao redor do mundo — mesmo nos mais desenvolvidos —, o foco está apenas em ST_M, ou seja, com pouca ênfase em tecnologia e praticamente nenhuma em engenharia. Essa lacuna representa uma oportunidade perdida de preparar os estudantes para o futuro. Além disso, disciplinas da área de humanas também devem constar nos currículos escolares, como psicologia, sociologia, antropologia, empreendedorismo e negócios.
Ele acredita que essas matérias, que exploram sociedades, culturas e interações humanas, têm o potencial de transmitir a rica história da experiência humana de forma didática e envolvente. Uma educação que abarca uma visão ampla não se limita a uma compreensão superficial, mas promove uma formação humanística verdadeiramente holística.
É hora de repensar o que ensinamos e como ensinamos. Ao integrar tecnologia e ciências humanas, podemos oferecer uma educação que não apenas prepare os alunos para o mercado de trabalho, mas também os capacite a serem cidadãos críticos e conscientes.
Livro “Educação para a era da inteligência artificial”
Durante o evento, Charles Fadel lançou seu último livro “Educação para a era da inteligência artificial”, no qual aborda o impacto da IA no setor educacional, trazendo reflexões sobre como essa tecnologia emergente está transformando a maneira de ensinar e aprender. Estruturada em oito capítulos, examina o avanço da IA e desmistifica os temores sobre superinteligência, destacando que o uso inteligente dessa tecnologia pode transformar as profissões e dar vantagem competitiva aos profissionais que a dominarem.
Traduzido e editado no país com o apoio da Fundação Telefônica Vivo, Fundação Santillana e Instituto Península, o livro foi escrito em coautoria com os também pesquisadores Alexis Black, Robbie Taylor, Janet Slesinski e Katie Dunn.
Logo no prefácio, Fadel afirma que a obra é “uma atualização necessária” de “Educação em quatro dimensões” (editado em 2015 e traduzido no Brasil em 2019 pelo Instituto Península e Instituto Ayrton Senna). “O tempo é “uma eternidade em uma época de rápido progresso tecnológico”, pontuou.
Em “Educação para a era da inteligência artificial”, o autor reforça que a educação deve continuar atendendo tanto às necessidades psicossociais quanto às econômicas, com foco no desenvolvimento da sabedoria, e propõe um modelo educacional atualizando as quatro dimensões fundamentais — conhecimento, habilidades, caráter e meta-aprendizado — que ele tinha desenvolvido em sua obra anterior.
Além disso, o ensaio aborda a necessidade de incorporar disciplinas modernas como tecnologia, ciências sociais e empreendedorismo nos currículos escolares. Isso estimularia o desenvolvimento de competências como imaginação e engenhosidade, essenciais em um futuro moldado pela IA.
O livro ressalta ainda a importância da personalização do ensino, incentivando o equilíbrio entre o uso da tecnologia e o desenvolvimento de identidade, inteligência e propósito nos estudantes. A obra oferece exemplos práticos de como a IA pode ser usada para auxiliar os professores no planejamento de aulas e avaliações, apresentando um novo caminho para a educação na era digital.
Assista na íntegra ao evento de 25 anos da Fundação Telefônica Vivo, “Transformação Digital na Educação: Desafios e Tendências”.
Durante o evento que comemorou 25 anos da Fundação Telefônica Vivo, além da palestra e do lançamento do livro, Charles Fadel também promoveu um workshop sobre Inteligência Artificial, juntamente com o professor Seiji Isotani, professor de Ciência da Computação na USP. Em uma breve introdução à história da IA, Fadel mencionou o avanço da tecnologia ao longo dos anos e a importância crescente em diversas áreas.
Assim como em outras tecnologias disruptivas — como o trem a vapor, o telefone e a televisão, por exemplo —, a IA também foi desacreditada ou temida. Mas, a despeito desse descrédito e temor, que ainda prosseguem em alguns setores, a IA tende a tornar-se central em muitos aspectos da vida humana, especialmente na educação — essa foi a mensagem que Fadel reforçou durante o workshop.
“Tudo começou há um século, com a matemática sendo desenvolvida por Markov [Andrei, matemático russo], com probabilidades condicionais”, disse ele. “Foram necessários cem anos de preparação humana para chegar a este ponto [em que estamos]”, completou, ressaltando que a IA é resultado de décadas de pesquisas em matemática, eletrônica e computação.
Durante o workshop, Fadel envolveu os participantes em um exercício em que tinham de distinguir entre rostos reais e gerados por IA. A proposta culminou em discussões sobre percepção humana e vieses, e o professor reiterou a importância do uso responsável da tecnologia para mitigar potenciais riscos.
Para incentivar o uso da IA pelos professores, o pesquisador fez uma analogia. Disse que não é necessário ser engenheiro mecânico para saber dirigir um carro. Do mesmo modo, saber ciência da computação não é requisito primordial para operar uma IA com eficácia e segurança. “Basta alfabetização digital, incluindo alfabetização em IA”, disse.
Ele deu exemplos de como a IA já está superando humanos em várias tarefas, como tradução e jogos estratégicos, e como isso molda diferentes profissões. Apontou também que todos os resultados, positivos ou negativos, dependem do uso feito por humanos.